
Filhos do Mangue (2024)
Existe um filme (ainda) mais complexo e mais profundo que não está expresso no resultado final de Filhos do Mangue. O que não é dizer que não seja um filme com suas próprias complexidades e belezas e a direção experiente de Eliane Caffé sempre garante o interesse ao olhar. Mas ele parece algo em processo, o que é afetado pelas expectativas.
Escrito pela própria diretora em parceria com seu roteirista parceiro de longa data, Luis Alberto de Abreu, é livremente inspirado no livro Capitão, de Sérgio Prado. Quando a a trama começa, vemos Pedro Chão, personagem interpretado por Felipe Camargo, rodeado por outras pessoas que o questionam sobre um valor em dinheiro que teria desaparecido da comunidade e que ele teria roubado. Acontece que o personagem perdeu toda a memória. Mas se por um lado ele esqueceu tudo o que fez, suas ações seguem ressoando entre os demais.
A história se passa em uma povoado à beira do mangue. A filmagem se deu na lindíssima localidade de Barra do Cunhaú, no município de Canguaretama, no Rio Grande do Norte. Nesse sentido, a estrutura do filme se aproxima de Era o Hotel Cambridge (2016), já que pessoas moradoras do local participaram da trama atuando. O entrelaçamento entre a ficção e a espontaneidade e a sinceridade das atuações novamente rende bons momentos. Mas, em relação ao filme anterior, faz falta uma maior estruturação dessas histórias na narrativa proposta.
Pedro descobre que explora a mão de obra local, que trafica e tortura mulheres, que batia em sua ex-esposa (vivida por Titina Medeiros), violência essa testemunhada por sua filha (Maria Alice da Silva). Camargo, ótimo no papel, consegue imprimir conflito marcado em seu personagem. Apartado do contexto todo de poder que construiu para si, rejeita os próprios atos quando confrontado com seu passado e presente. É duro encarar a dimensão das próprias ações.
Mas como curar a dor de um coletivo? Como reverter o que está feito? Amnésia sozinha cura violência desferida? Seria tão simples assim? A força da narrativa, afinal, está nas suas mulheres, que poderiam ter mais espaço. Ouvir suas falas tem uma beleza acessível, ainda que o reforço da ideia de trajetórias marcadas pela violência de gênero seja incômodo, como se naquele lugar não pudesse haver outras tantas histórias.
Quando Pedro monta na praia sua arte-arquitetura, é quase impossível não pensar em Kenoma (1998) e em uma busca compartilhada por uma construção efêmera que dê sentido ao presente e à comunidade. Com seu tecido de gaze e suas conchinhas amarradas, tem som e tem textura, é belo e sensorial, provoca reações, mobiliza todos ao redor, agrega pessoas que poderiam antipatizar mas, ao mesmo tempo é fugidio. A transparência do vazio da busca de sentido. Filhos do Mangue evoca um senso de suspense, mas essa antecipação não chega a arrematar a dimensão difusa de sua história.



