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Xógum: A Gloriosa Saga do Japão (Shogun)

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Assisti à primeira temporada da série Xógum: A Gloriosa Saga do Japão (Shogun, 2024), criada por Rachel Kondo e Justin Marks, adaptada do livro de mesmo nome de James Clavell, publicado originalmente em 1975. A trama é protagonizada por John Blackthorne (Cosmo Jarvis), um piloto inglês trabalhando em uma embarcação holandesa que chega à costa do Japão, furando o bloqueio dos portugueses, os únicos que faziam trocas comerciais no país no século XVI.

Nesse momento o Japão está sem um governante, uma vez que o último faleceu, deixando um herdeiro ainda criança, que precisa ser protegido para chegar à idade adulta. Nesse meio tempo, quem toma as decisões é um grupo composto por 5 regentes, entre eles nobres e burocratas, negociando com Ochiba No Kata (Fumi Nikaidô), a concubina que é mãe da criança. É o caso de Yoshii Toranaga, interpretado pelo ator japonês Hiroyuki Sanada, que também produz a série.

Toranaga vem de uma família antiga e tradicional e teria direito a reivindicar o título de Xógun, uma espécie de ditador militar ou grande comandante do exército. Por isso, os demais o temem e planejam condená-lo a morte. Ele por sua vez, tem a intenção de revidar. Para isso, conta com os conhecimentos do mundo externo trazidos por Blackthorne, a quem ele mantém sob sua tutela. Toranaga é um homem experiente, que sabe ver a movimentação de seus inimigos dois lances à frente, agindo de forma astuta e ponderada para se resguardar, mesmo que para isso ações extremas de seus aliados sejam necessárias.

O trio de protagonistas é fechado com Toda Mariko, interpretada por Anna Sawai, uma mulher pertencente a uma linhagem de nobres cujo pai sujou a honra da família. Acolhida no feudo de Toranaga, ela, que é convertida ao catolicismo trazido pelos portugueses, presta serviço de tradução, mediando as conversas com o europeu. Mariko é a alma da série, sendo o contraponto emocional para a racionalidade fria reinante. A atuação contida e minimalista de Sawai lhe rendeu prêmios no Emmy e no Globo de Ouro.

Todos os personagens são baseados em figuras reais da história japonesa e o livro já havia sido adaptado em uma minissérie em 1980, com nada mais nada menos que Toshiro Mifune no papel de Toranaga. 

É difícil não comparar a produção, para o bem e para o mal, com Game of Thrones, seriado da HBO que dominou as discussões sobre televisão na década passada. A escala, o tom grandioso e sério, a sensação de que nunca há um respiro, as intrigas, a violência exacerbada e as maquinações lembram o desenrolar do outro programa. Mesmo com um material anterior como origem, o repertório audiovisual parece referencial, nesse sentido, incluindo o ritmo de apresentação da ação e a forma como ela é dividida em ganchos bastante específicos com o maior acontecimento da temporada guardado para o seu penúltimo episódio. De toda forma, a escala também permite uma recriação de época rigorosa, que inclui figurinos deslumbrantes, repletos de camadas, texturas e estampas que indicam o lugar de cada personagem naquele mundo. Mas apesar da grandiosidade, da tensão e da trama política interessante, às vezes há uma certa aridez emocional. 

Blackthorne é um ponto fraco da narrativa. É claro que ele ancorava a história do livro, criada por um homem britânico para leitores ocidentais. Mas diante do peso milenar de tradições, política e honra que se embaralham nos acontecimentos, sua presença, apesar de estratégica, é quase desequilibrada. Um homem que era só um navegador em sua terra natal alçado a títulos, posses e renda em um lugar de posições sociais rígidas, basicamente apenas por ser europeu. Parece haver um esforço intenso por parte da equipe de roteiro para trazer o ponto de vista dos personagens japoneses para a centralidade, à revelia do material original.

As partes mais interessantes da trama são deles, especialmente quando dedicadas ao grande xadrez político retratado. Assim, também se destaca a simpática personagem Usami Fuji, uma recém viúva que se torna consorte de Blackthorne, ancorando sua permanência na sociedade local. A personagem silenciosa, se vale dos sorrisos e expressões faciais da atriz Moeka Hoshi, reagindo às demais pessoas, como expressão de uma vida interior que pode ser compreensiva, mas também sardônica. 

O conflito entre vozes autorais dissonantes às vezes é difícil de disfarçar. Shogun é um grande drama sério de época que às vezes é justamente sério e estéril demais, mas enche os olhos com um valor de produção vultoso refletido numa escala épica e em atuações expressivas dos protagonistas. 

Está disponível na Disney+.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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