[49ª Mostra de São Paulo] Entrevista com Emine Yildrim
Este texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.
Parte da cobertura do Feito por Elas da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, essa conversa com a cineasta Emine Yildrim aborda o filme Apolo de Dia Atena de Noite (Apollon By Day Athena By Night), uma narrativa sobre maternidade, ancestralidade e pertencimento. Camila Henriques conversou com Emine sobre o filme.
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Entrevista, pesquisa, pauta e apresentação: Camila Henriques
Edição de som: Isabel Wittmann
Transcrição e tradução: Camila Henriques
Produção e arte da capa: Isabel Wittmann
Vinheta de abertura composta por Felipe Ayres
Música de encerramento: Bad Ideas – Silent Film Dark de Kevin MacLeod está licenciada sob uma licença Creative Commons, Attribution, Origem, Artista.
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Confira a transcrição traduzida da entrevista abaixo:
Camila Henriques: Esse é um filme sobre maternidade. [No início], eu pensei que seria um filme sobre uma mulher viajando sozinha e todas as dificuldades que ela enfrenta, mas depois descobrimos como ela tem uma mediunidade e como isso é herdado. Eu acho que o time tem uma abordagem muito interessante sobre a maternidade. E eu quero falar com você sobre como você chegou a isso.
Emine Yildirim: Bem, eu acho que eu tinha muitas ideias que se uniram enquanto eu estava desenvolvendo esse filme. Agora eu percebi, na verdade, que eu sempre me perguntei o que minha própria mãe faria se ela tivesse uma vida paralela, se ela não tivesse nós, minha irmã e eu. E isso sempre me levou a pensar, porque ela dedicou toda a sua vida para nós e meu pai. E, do outro lado, ela é uma mulher muito capaz e eu sei que ela teve os seus próprios sonhos. E eu sou contra essa coisa da mãe sagrada, que nós temos no nosso país. E eu sei que [isso também acontece] em muitos lugares. E eu acho que esse conceito da mãe sagrada só está colocando uma grande expectativa na mulher. Há muitas formas de mãe. E às vezes a maternidade é fluida, às vezes é biológica, às vezes não. E esse tipo de sentimento inspirou o filme. E eu acho que a minha equipe e eu, durante o filme, sempre gostávamos de abraçar esses diferentes tipos de maternidade. E diferentes tipos de ser uma mulher. Não há um jeito de ser uma mulher, não há um jeito de ser uma mãe. E, também, na Turquia, quando você volta à sua história, especialmente à antiguidade, até mesmo na pré história, na época neolítica, você vê que nós temos uma cultura matriarcal. Ou, talvez, uma cultura matrilinear. E eu queria falar disso, especialmente porque, agora, no meu país, as coisas são muito matriarcalizadas. E metade da população é formada por mulheres. E elas estão sendo afastadas, oprimidas.
Camila: O filme cria uma atmosfera de assombro por meio da antiguidade e das ruínas que a protagonista visita. Queria que você falasse sobre essa ambientação e como ela se relaciona com a história que vemos no filme.
Emine: A Anatólia tem uma geografia muito antiga. Ela tem muitas culturas, muitas camadas de história. É muito multicultural. E nós temos uma grande herança humana, desde a antiguidade até Gobekli Tepe. Isso é uma parte… Nós esquecemos disso, mas isso também é uma parte de nós. Eu não gosto de falar em “propriedade”, mas é sobre abraçar essa herança humana e essa riqueza. E ver a localização. Quando eu fui lá, você sente isso especialmente. E você vê. Não é apenas uma sensação. Está lá, com a estrutura. E quando eu fui lá escrever esse filme, eu senti essa conexão imediata com a história da minha própria geografia. E eu me senti muito pequena, mas de uma forma boa. Como se fosse parte de uma coisa enorme. E isso é uma sensação muito pacífica. Ver que você é pequena, mas tudo bem. Então, sempre foi sobre entrar nessas histórias antigas, nestas camadas de histórias, que são parte de nós. E que nos fazem melhores pessoas, eu acho. Eu sei que [o filme] foi um grande risco. Minha produtora esteve ao meu lado desde o começo. Muitas pessoas duvidaram do filme, acharam que era estúpido. Mas tudo bem. Nós sempre sabíamos o que queríamos fazer. E estamos felizes que isso aconteceu assim.
Camila: Você fala muito sobre mitologia no filme. E a mitologia tem todos esses arquétipos sobre mulheres. Eu achei muito interessante como você usa isso, especialmente porque nós estamos falando de um filme sobre maternidade. Então eu queria que você falasse sobre o uso da mitologia como uma forma de correlacionar as diferentes mulheres que são vistas no filme.
Emine: Sim, absolutamente. Como você disse, a mitologia foi uma grande inspiração para o filme. Eu sou da costa leste da Turquia. Então eu cresci… Eu cresci muito perto de todas essas partes de ruínas antigas. E eu também cresci com as lendas da Mitologia Anatólica. Eu me apaixonei por mitologia. Eu ainda amo, mas eu também percebi como a maioria das interpretações são, de novo, muito patriarcais. E eu pensei, como eu posso brincar com isso? E tem a história de Apolo e Dafne, e Athena, e também Medusa, na verdade. E é sobre a reinterpretação dessas figuras femininas na mitologia. E também Cybele, que é muito especial para a Anatólia. Ela é a deusa-mãe do nosso país. E [o filme as colocou] de uma forma como eu preferia vê-las, ao contrário da nossa tradição aristotélica.
Camila: Agora, algo que me surpreendeu no final do filme, quando descobrimos o que aconteceu com Hüseyin e como você relacionou a história dele com as mulheres na Plaza de Mayo, na Argentina. É um filme muito político, no final das contas. E eu queria que você falasse sobre essa escolha em particular.
Emine: Claro. Essa escolha, desde o início, foi muito clara para mim. Em seu próprio jeito, para mim, o filme é político, sobre as mulheres, sobre a agência feminina, e sobre… é, na verdade, sobre a solidariedade. E Hüseyin sempre foi… ele sempre foi aquele cara que estava lá. Ele está sempre lá para ajudar. Ele está apenas tentando ser um bom amigo. E então, no final, muitas pessoas ficam surpresas, mas não tão surpresas assim, quando percebem quem ele é. Que ele é uma alma perdida, vítima da violência policial. Agora ele é um fantasma, mas ele ainda se mantém.
Camila: Sua mãe não tinha o direito de ter seu corpo.
Emine: E ainda estamos lutando por esse tipo de coisa. É uma questão que ainda não se resolveu.
Camila: O Brasil tem isso também.
Emine: Absolutamente. E sobre ele, ele sempre… ele diz para ela, sua luta continua, e é por isso que, de certa forma, ele não vai para o outro lado. Ele tinha que ser parte da história, da narrativa, e chegamos lá. E quando percebemos que ele é… é uma mudança, mas não é uma mudança.
Camila: No final de cada entrevista, nós pedimos que as pessoas deem recomendações de um filme dirigido por uma mulher ou a obra de uma diretora que as inspiraram.
Emine: Recentemente, eu assisti A Meia-irmã Feia (2025, dir. Emilie Blichfeldt). Eu adorei esse filme. Eu acho que é muito divertido e assustador, e eu adoro a abordagem dele. E a obra de uma diretora, eu falaria em Ildikó Enyedi, [principalmente com] Corpo e Alma (2017). Eu adoro esse filme.
Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, Henrique Barbosa, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Marden Machado, Mariana Silveira, Nayara Lopes, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha.


