Cinema
-
Cidade dos Sonhos (Mulholland Dr., 2001)
Cidade dos Sonhos (2001) parece se passar em um tempo não delimitado. Ainda que alguns figurinos e locações ecoem o icônico ano de 1999, a película é recheada por objetos como telefones antigos, um abajur vermelho vintage, uma lista telefônica, mapas impressos e um orelhão com moedinhas em seus últimos momentos de utilidade pública, além dilma caderneta de papel conhecida como “História do mundo em números de telefones”, cujo valor inestimável contabilizou pelo menos três corpos na mira de um assassino imbecil. Assim como no subsequente e ainda mais complexo Império dos Sonhos (2006) – que mantém o protagonismo feminino forte com Laura Dern – e também no anterior Estrada…
-
Meu Nome é Maria (Maria, 2024)
Publicado originalmente em 03/04 na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui. Meu Nome é Maria, de Jessica Palud, é um recorte da vida e carreira de Maria Schneider (aqui interpretada por Anamaria Vartolomei), atriz que protagonizou O Último Tango em Paris (Ultimo tango a Parigi, 1972), dirigido por Bertolucci. O filme começa cerca de 3 anos antes da fatídica filmagem, pouco antes dela iniciar sua carreira como atriz, aos 16 anos. Tango, rodado quando tinha 19 anos, foi seu sexto filme, e o primeiro que protagonizou. Ele retratou a história de dois desconhecidos que iniciam um relacionamento em um apartamento vazio na Cidade da Luz: a…
-
Holland (2025)
Publicado originalmente em 03/04 na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui. Holland, dirigido por Mimi Cave, é a mais recente adição na filmografia de donas de casa desesperadas da Nicole Kidman. Ela começa narrando sobre o quão perfeita é a vida nessa cidade de colonização holandesa e como foi salva nesse lugar e nem parece verdade. Ficamos sem saber o que aconteceu no seu passado, porque ela simplesmente esquece de contar. Mas ela está lá, vivendo essa vida idílica, numa vizinhança perfeita, de vidas perfeitas, com um marido, o oftalmologista da cidade (Matthew Macfadyen, ou Mr. Darcy ou Tom Wambsgans, ao gosto da freguesia) e um filho e…
-
Presença (Presence, 2024)
Publicado originalmente em 03/04 na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui. Presença é o novo suspense de Steven Soderbergh, cineasta que anunciou sua aposentadora em 2012, mas continua voltando para novos experimentos. E eu até me diverti assistindo, mesmo sendo pouco mais que isso: um experimento. A proposta é ser um filme de assombração. Uma família se muda para uma enorme e linda casa centenária. A mãe (Lucy Liu) paparica o filho (Eddy Maday), um jovem que conseguiu uma vaga em uma boa escola nessa nova vizinhança por seu desempenho na natação. A filha (Callina Liang), introspectiva, acabou de perder a melhor amiga,…
-
[30º É Tudo Verdade] Hora do Recreio
Este texto faz parte da cobertura do 30º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, que ocorre entre 03 e 13 de abril. “Vocês acham que isso aqui é realidade ou ficção?”, pergunta a professora depois de uma interação bem intensa com um grupo de alunos adolescentes. Até esse momento, em que a pergunta revela também a participação da equipe de filmagens em cena, a pessoa espectadora não tinha motivos para fazer o mesmo questionamento. Abrir o plano para revelar o aparato cinematográfico, bem como a diretora Lúcia Murat, não é exatamente um recurso que atravessa a linha entre o documentário e a obra ficcional, mas é inserido de forma…
-
[30º É Tudo Verdade] Ritas
Este texto faz parte da cobertura do 30º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, que ocorre entre 03 e 13 de abril. Na noite de abertura do festival É Tudo Verdade, em São Paulo, a Cinemateca Brasileira estava lotada de pessoas esperando para ver Ritas, longa de Oswaldo Santana e codirigido por Karen Harley. Como uma ironia do destino, a chuva começou a cair na cidade da garoa no mesmíssimo segundo em que a tela externa, ao ar livre, dava seus primeiros sinais do filme. O público, que esperava há quase duas horas para a sessão iniciar, se movimentou com as cadeiras para os cantos cobertos. Algumas pessoas se…
-
Os Catadores e Eu (Les glaneurs et la glaneuse, 2000)
“Catar era o espírito de antigamente. Cate tudo para não haver desperdícios”. A cata é o ato de recolher os restos, de dar rumo às coisas descartadas, que ficaram para trás. É nobre atitude que perdeu seu status com o avanço desenfreado da era industrial e do capitalismo. Foi relegada aos que pouco ou nada possuem, às pessoas que a sociedade dispensa o mesmo tratamento dado às coisas desprezadas. Esse o tesouro interessante e precioso à Agnés Varda, que, inclusive, intitula-se catadora de informações. A diretora, de fato, não só faz jus à sua autodescrição. Varda é catadora dos cacos deixados por pessoas que de marginalizadas se fragmentam, e cujas vidas ela…
-
O Melhor Amigo (2024)
Não vou mentir que um dos pensamentos que ficaram comigo depois de assistir a O Melhor Amigo, novo trabalho do diretor Allan Deberton, foi que precisamos de um musical jukebox com o repertório da dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas. O momento do filme que foi responsável por isso é rápido, mas resume bem o quanto o longa é feliz ao celebrar o melhor do nosso cancioneiro popular em um musical vibrante, mesmo quando se fecha no escuro de uma boate. Na cena em questão, a música Retratos e Canções (sucesso de Sandra Sá nos anos 1980) é cantada em um karaokê e, como as grandes músicas compostas por Sullivan e Massadas, parece…
-
O Macaco (2025)
Em letras chamativas, o cartaz nacional de O Macaco (The Monkey) destaca os nomes de Osgood Perkins (diretor e roteirista), Stephen King (autor original) e James Wan (produtor), um trio que costuma remeter ao gênero do horror. A publicidade brasileira do filme faz coro, indica que é um “terror repleto de humor macabro e mortes surreais”, frase que, embora acertada em algumas partes, também foi o fermento para a decepção de muitas pessoas. Se a onda de terror elevado, horror psicológico, entre outros termos utilizados, quase colocou o gênero como algo menos digno, dando a algumas obras o rótulo de suspense, drama ou qualquer outro, como se o terror não…
-
Mickey 17 (2025)
“Dizem que dão emprego para aquele rio de pessoas que segue para o norte. O presidente Donner é a favor deles. Os trabalhadores são mais descartáveis do que escravos. Eles inspiram fumaça tóxica, bebem água contaminada ou são feridos em máquinas sem proteção… Não importa. São fáceis de substituir: milhares de desempregados para cada vaga”. (A Parábola do Semeador, de Octavia E. Butler, p. 402) Assistir Mickey 17, novo filme do cineasta coreano Bong Joon-ho, na mesma semana em que li A Parábola do Semeador, livro de Octavia Butler, foi uma confluência (e coincidência) bastante apropriada. O livro foi publicado em 1993 e reflete muitas das angústias da época, e…