Entrevistas

Entrevista com Wagner Moura sobre O Agente Secreto

Estava na fila da Cinemateca para assistir a No Other Choice, do Park Chan-Wook, durante a Mostra de São Paulo, quando recebi uma mensagem de que entrevistaria o Wagner Moura no dia da coletiva de imprensa de O Agente Secreto. Já tinha assistido (e adorado) o filme no mês anterior, em uma sessão durante o Olhar do Norte – Festival de Cinema da Amazônia, mas revisitar a saga de Marcelo na Recife de 1977 estava nos meus planos durante a Mostra, porque sabia que teria uma coletiva de imprensa e queria refrescar a memória e, ao mesmo tempo, curtir como espectadora, sem a responsabilidade de escrever (meu texto sobre o filme já estava pronto e publicado há tempos).

Depois da sessão, que foi a minha última na Mostra, acompanhei a coletiva e segui para esperar minha vez de falar com Wagner. Foi a primeira vez que participei presencialmente de uma junket (que é basicamente um dia que os atores/diretores/etc. passam conversando com a imprensa, com um tempo geralmente bem curtinho para cada entrevista). Foram cinco minutos de papo, que dividi com os jornalistas Gabriel Amora, do O Otimista, e Lorenna Montenegro, do Diário do Pará. A íntegra da conversa está no canal do YouTube do Feito por Elas e, abaixo, vocês podem ler a transcrição.

Camila: Wagner, você falou que você tem 12 anos que não atuava em português e nesse meio tempo você dirigiu Marighella. Aí você vem e faz O Agente Secreto. Como é que você entra num set falando em português depois dessa experiência na direção, principalmente administrando três linhas temporais diferentes?

Wagner: Muito bom, essa filmagem de O Agente Secreto foi uma alegria do começo ao fim. Foi muito libertador fazer um filme todo em português depois de tanto tempo e estar em Recife, estar no Nordeste, trabalhando com Kleber, que é um cara que eu queria muito trabalhar. Sabe, era um filme que eu entendi já o que era, porque ele nasceu de um encontro que eu tive com Kleber, muito mais político do que artístico, que foi o Brasil de 2018 a 2022. Então foi muito fluido tudo, muito bom. Eu tava muito feliz.

Gabriel: E aproveitando também essa pauta política, na construção do texto do Kleber e também você desenhando esse personagem com ele, eu queria saber, entender o que é que do Wagner você trouxe nesse período, Bolsonaro de 2018-2022, pra esse personagem que viveu em 1977, antes da redemocratização.

Wagner: É, rapaz, eu acho que os personagens, eles cada vez mais, pra mim, eles são amálgamas entre o personagem que tá ali no papel e eu mesmo, sabe? E o jeito que eu penso, que eu vejo as coisas, tô fazendo agora isso. O ápice disso é a peça que eu tô fazendo agora, que chama Um Julgamento, é a peça que eu escrevi junto com a Christiane Jatahy e Lucas Paraizo, baseado no Um Inimigo do Povo, de Ibsen. Tem vários momentos na peça que é o personagem de Ibsen, que sou eu mesmo falando que eu queria dizer, coisa que eu quero dizer e tô dizendo. E isso tem, eu acho que isso tem sido muito bom pra mim, sabe? E no Agente Secreto tinha isso também, como era uma coisa que eu e Kleber, que a gente sabia muito o que a gente tava falando. Eu mergulhei muito na época da ditadura, quando fiz Marighella, sabe? Então, é, era autoral, mas muito autêntico pra mim, sabe, tá falando aquilo ali, fazendo aquele personagem. É como você se mantém fiel aos seus valores quando tudo ao seu redor diz o contrário do que você pensa. Isso é uma coisa que a mim, Wagner, me inquieta muito, já me inquietou muito, muitos momentos da minha vida. Até onde você vai, cara, pelo seu imperativo moral, até onde você vai pelo que você quer dizer, pelo que você acredita. O que é que você tá disposto a sacrificar? Essas coisas sempre me perturbaram. E eu acho que o, tanto O Agente Secreto quanto a peça que eu tô fazendo, elas bolem com essas coisas.

Lorenna: Falando do roteiro e do discurso do filme, né, do subtexto, essa interlocução que tu tiveste com Kleber, desde que vocês se encontraram, entenderam que os dois tinham aí um laço político muito forte, mas também artístico, e aí essa composição do Marcelo/Armando. Como é que você entende a função dele narrativa dentro da história? Porque ele é o protagonista da história, mas você tem vários personagens que aparecem nessa trama, e ele meio que ancora a história, já que a gente tá vendo toda a situação pelo foco narrativo que tá preso nele. Então, como é que foi esse diálogo com Kleber a partir do roteiro, né, pra compor esse personagem que representa esse cidadão do bem, de certa maneira, né? Mas ele também é o nosso olhar dentro dessa história.

Wagner: É isso, é o cidadão, eu acho que é o nosso olhar, porque acho que muita gente se identifica com ele, sim. Quando eu fiz Marighella, [ele] era um homem extraordinário que queria derrubar ditadura militar. [O Marcelo] não quer nada disso, ele é um cara, é um cara que só quer viver de acordo com os padrões éticos que ele tem, e acho que isso bate muito com cada um de nós pessoas comuns que querem viver sua vida com honestidade, com verdade, viver a verdade da sua vida. E aí ele é um cara que leva o filme, a gente vai acompanhando o filme pelo olhar dele. E a gente só vai entender exatamente o que tá acontecendo bem depois, né? Isso é muito interessante do roteiro de Kleber, que foge a todos os manuais de roteiro. Na página 100 é que você vê exatamente o que é que tá acontecendo, naquela cena, do Cine São Luiz. E é bonito, às vezes parece um pouco um filme de estrada, sabe, quando sabe, às vezes me sinto como Dorothy no Mágico de Oz, você encontra vários personagens acima do caminho. Cada um te ensina uma coisa. Aí você vai, aí tem a Hermila [Guedes], aí tem a Dona Tânia [Maria], aí tem Alice Carvalho, aí tem… Cada personagem vem e aí também faz o espectador e também colocar mais uma peça no quebra-cabeça do filme, né?

Crítica de cinema, membra da Abraccine, amazonense, 30+, ama novela mexicana

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