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Extermínio (28 Days Later, 2002) e Extermínio 2 (28 Weeks Later, 2007)

Publicado originalmente em 05/06 na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir com o projeto, assine aqui.


Antes de ver o novo Extermínio: A Evolução (sobre o qual Raíssa escreveu aqui), revi os dois anteriores com resultados mistos. 


Eu nem sei dizer quantas vezes já vi o primeiro Extermínio (28 Days Later, 2002). No letterboxd eu o loguei em 6 de setembro de 2013 e em 27 de agosto de 2014, indicando que já eram revisões e certamente já tinha visto pelo menos umas duas ou três vezes antes. Achei curioso que eu revi nesse espaço de menos de um ano, algo que eu não costumo fazer a não ser que envolva algum trabalho específico (escrever ou gravar sobre), o que não foi o caso. Pois bem, sempre foi um filme que eu gostei bastante.

Danny Boyle tem uma filmografia estranha, né? Aparentemente eu gostei de Trainspotting (1996) porque ele veio do meu IMDB para o letterboxd com 4,5 estrelas, mas eu nunca revi e lembro de pouca coisa, quase nada, a não ser as cenas dos banheiros. De A Praia (The Beach, 2000) eu lembro de ler as notícias ainda na imprensa impressa sobre os estragos ecológicos causados pela produção, largamente divulgados ainda antes da estreia do filme, que ainda era vendido como “novo filme do Leonardo diCaprio”. Sunshine (2007) é um sci-fi meio subestimado e eu gostei bastante quando vi recentemente. Quem Quer Ser um Milionário (Who Wants to Be a Millionaire, 2008) é um filme de exploração cujo acerto está na escolha do protagonista, Dev Patel, e na trilha, basicamente. 127 Horas (2010), Steve Jobs (2015), Yesterday (2019)todos foram filmes que eu gostei enquanto assisti mas nunca tive vontade de rever, porque meio que dá uma sensação que sobra pouca substância para digerir depois. 

E aí acho que Extermínio se vale (assim com Sunshine) do roteiro de Alex Garland, que antes de estrear como diretor com Ex Machina (2014), escreveu esses dois, além do lindo Não me Abandone Jamais (Never Let Me Go, 2010), adaptado da novela de Kazuo Ishiguro. Enfim, Garland de alguma forma, estreando como roteirista, soube ter confiança para trabalhar com temas clássicos da ficção científica, gênero em que seguiu pelos trabalhos seguintes, tanto escrevendo como dirigindo. E não é que ele não tenha também suas limitações, mas juntando uma trama básica de sobrevivência com a direção rústica de Boyle o resultado é um jovem clássico dos filmes de zumbis. 

Zumbis? Bem, há quem não considere Extermínio uma história de zumbi. As criaturas infectadas são rápidas e mantém parte de sua consciência. Além disso elas não morrem para renascer, mas têm sua morfologia alterada ainda em vida, como se fosse uma espécie de raiva humana. Mas toda a lógica de contaminação, quarentena, sobrevivência e luta é de um filme de zumbi. 

É claro que num momento muito Alex Garland das ideias, a culpa do começo da epidemia é jogada sobre ativistas dos direitos dos animais que tentam libertar macacos usados em testes laboratoriais. Problema nenhum na realização de tais testes, especialmente com vírus perigosos. 

O protagonista é Jim (Cillian Murphy), que acorda depois de dias hospitalizado apenas para descobrir que não só o hospital como Londres inteira está deserta. As sequências em que ele anda vestido com os pijamas do hospital pelas ruas entulhadas de lixo e sem vivalma são assombrosas, especialmente por virem de tempos pré-efeitos digitais marcados. 

Inclusive o filme se beneficia esteticamente das limitações impostas pela fotografia digital daquele momento de transição. Por mais que a granulosidade e a coloração pareçam sofríveis para olhos acostumados com o acabamento lustroso e homogêneo das filmagens de hoje, ela acaba por dialogar com a atmosfera do filme e com a própria brutalidade retratada. (Mas eu ri demais de uma usuária do letterboxd que escreveu que foi “filmado com uma geladeira samsung lg”).

Em sua jornada, ele vai conhecer Selena (Naomi Harris), Frank (Brendan Gleeson) e a filha dele, Hannah (Megan Burns). Como em todo filme de sobrevivência, o laço que se cria entre os personagens é essencial para apreciação da narrativa. E como todo filme de sobrevivência, eventualmente decisões burras são tomadas, senão não há conflito. É claro que o pior são sempre os seres humanos e seres humanos militares são os piores. (Curioso ver Garland escrevendo assim dada e recente camaradagem milica manifestada no desastroso Tempo de Guerra (Warfare, 2024), seu mais recente projeto).

Também é agoniante pensar que, no final, a única coisa que se pensa para o fim do mundo é o jugo de mulheres. Mas a agonia é parte da lógica e não deixa de ser crível diante de tudo que vivemos. A decisão de manter a narrativa em uma escala tão diminuta, nos fazendo acompanhar esse grupo de pessoas sem saber o que está acontecendo em sua cidade, seu país ou no mundo é muito acertada: faz com que cada escolha pareça ter um peso ainda maior, já que não sabemos o que ainda existe e quantas pessoas sobreviveram. Os vínculos de amizade se criam também por necessidade e cada pequeno prazer (como um supermercado abastecido) deve ser celebrado. Apesar do vírus e dos próprios humanos, é uma história de esperança. 

Considerando que é um filme que devo ter visto pela primeira vez há mais de 20 anos, e agora fazia mais de 10 que não revia, foi muito bom reencontrar esses personagens. Marcou época e segue ótimo. 

Não posso estender os mesmos elogios a Extermínio 2 (28 Weeks Later, 2007). Diz o letterboxd que eu o vi no mesmo dia da último revisão do anterior, 27 de agosto de 2014 e que eu não gostei, mas não lembro de nada. Revi com a expectativa de achar que meu eu mais jovem estava enganado e me vi concordando comigo mesma. 

Dessa vez o filme é dirigido por Juan Carlos Fresnadillo, cujo outro crédito notável seria o recente filme da Millie Bobby Brown, Donzela, calcule. Já o roteiro é assinado pelo próprio diretor e mais três pessoas, Rowan Joffe, Enrique López Lavigne e Jesús Olmo. O elenco é uma loucura depois da lista enxuta do primeiro. Tem nada mais nada menos que Robert Carlyle, Rose Byrne, Jeremy Renner, Harold Perrineau, Idris Elba, Imogen Poots e a lista segue. 

E de repente a escala muda: tem efeitos especiais, tem bomba, tem fogo, tem helicóptero, entra em cena exercito estadunidense, gente com imunidade e possibilidade de criar algum tipo de vacina (alô Last of Us), tem criança e tem até zumbi (desculpa é que não é zumbi, né, é pessoa contaminada) tentando perseguir a família, num melodrama barato difícil de engolir. É um caos narrativo: uma tentativa de pegar um sucesso cult e fazer uma sequência blockbuster, recheando com tudo que o dinheiro poderia pagar na época. Só que o primeiro filme não fez sucesso por causa disso. Tem até mesmo um desfecho em cliffhanger com a promessa de criar uma franquia que felizmente nunca veio. Até agora. Mas aí com Boyle e Garland de volta.  

Extermínio 2 está disponível em streaming na Netflix e Disney+.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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