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Mentirosos (We Were Liars, 2025)

Publicado originalmente em 26/06 na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir com o projeto, assine aqui.


A programação noturna televisiva de minha casa esses dias veio diretamente das opções do streaming por motivos alheios a mim (visitas)Lá no top 10 do Prime Video estava o título Mentirosos (We Were Liars) se destacando e o play foi apertado. Me vi assistindo a uma história de mistério que um rápido google me explicou ser adaptada de um livro bestseller, escrito por E. Lockhart.

A trama parece ser, a princípio, uma espécie de Big Little Lies teen, mas nunca alcança a mesma qualidade do (possível) objeto de inspiraçãoA protagonista é Cady (Emily Alyn Lind, incapaz de ter mais que uma expressão facial), uma menina que no tempo presente tem 17 anos e crises intensas de enxaqueca, relacionadas a algum evento traumático que viveu no ano anterior. Seu primos Mirren (Esther McGregor, filha da Nicole Kidman em Babygirl) e Johnny (Joseph Zada) e seu namoradinho Gat (Shubham Maheshwari), assim como sua mãe Penny (Caitlin FitzGerald), resolvem não lhe contar nada do que ocorreu, para que suas memórias voltem aos poucos. A única coisa que recorda é que foi encontrada sem roupa e desacordada na areia da praia em frente à casa de veraneio do avô, Harris (David Morse) frequentada por toda a família. Completam o grupo de personagens as tias de Cady, Carrie (Mamie Gummer) e Bess (Candice King), a avó Tipper (Wendy Crewson), e o tio de Gat, Ed (Rahul Kohli). 

A tensão é provocada pelo avô manipulador e a família ricaça na verdade é composta por herdeiros falidos e precisando de auxílio, pessoas horríveis, o tempo todo se imiscuindo e entrando em contendas mesquinhas sem o menor motivo. A terceira geração, unida pela amizade e pelas crises adolescentes, parece não entender as desavenças delas, a quem se referem como uma entidade única: “As Mães”. Os conflitos de classe e raça são postos na figura do jovem Gat, criado junto com os demais, mas nunca bom o suficiente aos olhos do avô para ser realmente parte da família. 

O figurino dos adolescentes parece excessivamente fofo, talvez para compensar o fato de que nenhum deles parece ter 16 anos, uma coisa meio Malhação. As perucas são uma atrocidade e a troca de cor de cabelo da protagonista entre o flashback e o tempo presente é uma distração incômoda. 

O fato é que todos os personagens são fiapos de estereótipos e aqueles com um mínimo de potencial para histórias interessantes acabam não sendo os que têm maior destaque em um conjunto tão grande. A protagonista e o drama da memória perdida mal sustentaria dois ou três episódios de uma série de maneira interessante e a história é arrastada por oito. Imagino que o livro poderia tranquilamente ser adaptado em um filme sem maiores perdas. O que não deixa de ser estranho para uma trama que se vende em torno da revelação de um grande mistério. 

Para além do drama banal, não ajuda a estética genérica que remete a outras tantas séries sobre famílias ricas disfuncionais que têm sido produzidas. De onde será que vem a fascinação do público por histórias de crime envolvendo ricaços? Será que esse interesse realmente existe mesmo ou é alimentando por um certo mercado?

A grande revelação do evento traumático do verão dos 16 anos dos jovens chega e deixa um gosto amargo: não poderia ser algo mais absurdo, grandioso por motivo nenhum, a não ser o choque dessensibilizante. São tantas escolhas estúpidas que precisam ser feitas para que o desfecho exista que é impossível não questionar a verossimilhança. E mesmo depois dele, o episódio final ainda conta com uns três epílogos, nunca sabendo quando terminar.

A surpresa mesmo é perceber quantas pessoas se envolvem numa produção desse tamanho, com um elenco tão grande, para um resultado tão pífio. Existe um mundo curioso nessas plataformas, com produções que muitas vezes nunca ouvimos falar mas que são sucessos absolutos. Uma vez jogado no streaming certo, com o marketing certo, o produto audiovisual alcança público o suficiente para se manter algum tempo em algum top alguma coisa. 

Mentirosos (We Were Liers) está disponível em streaming no Prime Video.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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