Cinema,  Críticas e indicações,  Filmes

Evidências do Amor (2024) e Grandes Hits (2024)

Texto publicado originalmente na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas. Para contribuir, assine aqui.


Agora entraremos na seara de um daqueles filmes gêmeos. Sabe quando estreava Formiguinha Z (1998) e Vida de Inseto (1998), O Ilusionista e (2006) e O Grande Truque (2006), Amizade Colorida (2011) e Sexo sem Compromisso (2011), apenas pra citar alguns exemplos? Pois Evidências do Amor, de Pedro Antonio, com o filme que comentarei a seguir, Grandes Hits, é um desses casos. A premissa é a mesma para ambos: a pessoa protagonista, ao ouvir uma música, viaja no tempo para testemunhar uma memória do seu relacionamento que acabou. A situação é tão extrema que começa a usar um abafador de som para não passar pela experiência. 

No filme brasileiro, o protagonista é o programador Marco Antônio (Fábio Porchat), que, anos antes, conheceu a cantora Laura (Sandy) em um karaokê em que cantaram juntos a música Evidências, de Chitãozinho e Xororó. O fato da intérprete da protagonista ser filha de um dos cantores rende até uma camada extra de humor. Em certo momento ela argumenta que a música é de José Augusto, compositor da mesma, e não de seu pai e seu tio. Marco Antônio rebate que a música é de quem canta, a regra é clara. 

Os dois engatam um relacionamento de anos que é resumido nos primeiros minutos do filme, com uma montagem que mostra vários momentos dos dois juntos. Mas quando Marco a pede em casamento, Laura some sem explicar a razão e ele está preso na música com que os dois se conheceram. Toda vez que a ouve, é transportado para brigas passadas, de forma que começa a perceber onde errou ao longo do tempo e tenta, daí pra frente, consertar o que for possível.

Porchat é Porchat e espere muito humor estilo Porta dos Fundos. Sandy não é uma grande atriz, mas não incomoda no papel.  Evelyn Castro como Júlia, a zeladora do prédio de Marco Antônio, rouba a cena. Mas, acima de tudo, é muito bom ver essa estrutura tão familiar de comédia romântica em um filme muito brasileiro, que tem elementos de nossa própria cultura pop e sabe usá-los. E ainda assim há espaço para outras referências cinéfilas, incluindo “um filme do Leonardo DiCaprio” que se transforma em uma ferramenta narrativa divertida e bem bolada. (Quando a dedicatória nos créditos finais explica essa inserção, é impossível não se emocionar). Até mesmo a direção de arte é ótima de observar, com destaque para o cenário em trompe-l’oeil nos flashbacks. Evidências me surpreendeu bastante positivamente e gostaria de ver mais filmes nesse estilo com rostos e elementos que nos são familiares. 

Grandes Hits (The Greatest Hits, 2024), de Ned Benson, é o irmão gêmeo conceitual (e bem mais triste) de Evidências. Harriet (Lucy Boynton) namorava com Max (David Corenswet). Eles se conheceram em um festival (mais um meet cute recente de festival) e iniciaram um relacionamento cuja convivência era permeada de música. Mas, três anos antes do tempo presente do filme, eles sofreram um acidente de carro e Max morreu.

Harriet está presa ao luto. Sua casa escura e sufocantes tem uma parede com a timeline do relacionamento dos dois. E, como no filme brasileiro, quando ela ouve uma música que ambos compartilharam, é jogada de volta ao passado e testemunha o que viveram, tudo de novo. Só que não é uma música só. É qualquer música que tenha servido de trilha para algum momento deles e é para esse momento que ela vai. Então é uma versão bem mais dramática da premissa. 

Sua vida vira um inferno: precisa andar com abafador de som o tempo todo, pois tudo é um potencial gatilho para outra viagem no tempo. Memória, que já é algo tão sensorial, aparece como a experiência sinestésica e torturante de sentir e viver sons que deveriam ser agradáveis. Ela só pode ouvir músicas novas e que sejam até então desconhecidas para si.

Em um grupo de apoio a pessoas enlutadas, Harriet conhece David (Justin H. Min, de Caminhos Tortos e After Yang), que perdeu os pais recentemente. Os dois começam a sair mas ela parece hesitar em compartilhar sua experiência de estar tão literalmente presa ao passado. 

O filme funciona como uma espécie de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) de fundo musical. O passado precisa ficar para trás para que a vida possa seguir em frente, mas como, se isso implica em abrir mão de tanto? Harriet precisa testar possibilidades no seu labirinto fantástico e decisões difíceis precisam tomadas. A narrativa calibra bem o drama com o humor, mas, ainda assim, é bom preparar o lencinho. 

Compartilhe
Share

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *