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[44ª Mostra de São Paulo] A Deusa dos Vagalumes

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online.

Em uma cidade canadense dos anos 90, Catherine (Kelly Depeault), completa 14 anos, enquanto seus pais brigam e a violência se torna física. A Deusa dos Vagalumes (La déesse des mouches à feu, 2020) é uma história de crescimento com marcada autoria de mulheres: a direção é de Anaïs Barbeau-Lavalette e o roteiro de Catherine Léger, adaptado do livro de Geneviève Pettersen.

O tipo de trajetória que a menina vai percorrer fica explícito logo de início quando sua mãe lhe entrega seu presente de aniversário: uma cópia do livro Christiane F. Depois de levar um suco de Mélanie Belley (Marine Johnson), uma garota que acha que ela estava observando o seu namorado, ela acaba por ser incorporada no seu grupo de amigos. Os adolescentes se reúnem para ouvir música, com apreço especial por grunge, e cheirar mescalina. O comportamento de Catherine muda de maneira súbita e pouco sutil, de uma modo que não parece muito justificada na trama, e se torna agressiva e arredia. O mundo interno da personagem, que poderia explicar suas ações, não é externado.

O que se segue é o esperado desse tipo de narrativa turbulenta de crescimento: fuga da polícia, experiências cada vez mais profundas e pesadas, eventualmente uma overdose no grupo. Mas nem tudo é negativo: sua amizade com Marie-Ève (Éléonore Loiselle) é muito sincera, assim como o namoro com Keven (Robin L’Houmeau), um jovem que se mostra solitário e melancólico, ao mesmo tempo que apaixonado.

Nas experimentações psicotrópicas, o filme, talvez um pouco estereotipicamente, busca imagens a princípio de beleza, como a personagem olhando o movimento das próprias mãos contra a luz das fagulhas de uma fogueira; depois de uma decadência cada vez mais acentuada, quando Catherine anda trôpega, com olhar embaçado, pelos corredores da escola.

O Pai (Normand D’Amour) e a Mãe (Caroline Néron), aparecem como catalisadores de suas ações, dada a violência com que interagem. Mas se mostram dispostos a tentar aparar as arestas, embora o relacionamento entre os dois pareça há muito perdido. A Mãe, especificamente, busca no diálogo uma forma de aproximação e chega, mesmo, a presentar a filha com uma bota que tinha sido sua quando adolescente, tentando conectar-se com a filha.

Em se tratando de peças de vestuário, o filme peca em não consegui ter um figurino crível e compatível com a época retratada. É interessante observar um filme “de época” de um momento que já testemunhei, porque é fácil perceber que as roupas não parecem com aquelas de então, mesmo com a liberdade poética da criação artística. Tratam-se de roupas contemporâneas, provavelmente off the rack, que foram dispostas e acessorizadas para remeter aos meados dos anos 90. Mas, apesar das referências a elementos da época, como Pulp Fiction, Louca Obsessão ou à banda Hole, o resultado, no geral, deixa a desejar.

Catherine é uma protagonista que mergulha em uma espiral de autodestruição, tantas vezes retratado no cinema. Nesse processo descobre que muitas vezes nem o amor é capaz de salvar. Sem interpretações marcantes e com uma trama bastante convencional de coming of age, A Deusa dos Vagalumes nunca surpreende de verdade, mas entretém.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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