Cinema,  Críticas e indicações,  Filmes

[44ª Mostra de São Paulo] Mamãe, Mamãe, Mamãe

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online.

Esse é primeiro longa escrito e dirigido pela cineasta Sol Berruezo Pichon-Riviére e, para o bem e para o mal, transparece. Em Mamãe, Mamãe, Mamãe (Mamá, Mamá, Mamá, 2020) há a vontade de abarcar um mundo de sentimentos e a incerteza sobre como fazê-lo. Mas isso não impede que a obra seja prazerosa.

O filme, ganhador de uma Menção Especial do Júri da seção Generation Kplus no Festival de Berlim, começa com uma citação infantil, em um flashback, às águas vivas e medusas, esses seres aquáticos de quinhentos mil anos atrás, que são a pista inicial dos acontecimentos. Cleo é uma adolescente cuja irmã morreu afogada na piscina de casa e que lida com a mãe, cujo luto é uma constante. Além das duas, fazem parte desse cenário de convivência familiar a tia, que passa a cuidar da menina, e as primas Leoncia, Manuela e Nerina. Trata-se de um universo de mulheres e suas emoções mais profundas e a diretora consegue nos fazer mergulhar nos pequenos detalhes. Em se tratando das meninas, em específico, é um momento de crescimento e descobertas compartilhadas.

As pérolas e o vestido branco com Cleo aparece criam a imagem de uma mini-noiva. Ela se observa no espelho do banheiro: é idade de descobrir quem ela é e também das modificações do corpo causadas pela puberdade. Entre os momentos que divide com as primas há sua menstruação, que achava ser uma gravidez. A fertilidade dela, marcada pela menarca, não passa pelo matrimônio visual do começo do filme, mas acaba por se manifestar na coelha.

A dor da mãe segue. É triste e bonito ver a forma como a menina tenta chamar por ela através da porta e ela se tranca em si mesmo pela perda que lhe dói. Há um senso de alienação presente. A inanição da mãe é vislumbrada pela menina pelas frestas, que não pode entrar e fazer parte da bolha de luto que a figura materna construiu para si. A ação possível para a mãe é se deixar cair no chão chorando diante de um bicho de pelúcia, como se esse fosse o gatilho de uma realidade que se perdeu.

Mas mesmo diante da tristeza, as meninas compartilham de elementos que são comuns em filmes de coming of age, como a descoberta do corpo, de um princípio de sensualidade para si e das possibilidades de um erotismo juvenil enquanto aprendem a beijar usando um tomate. O ventilador ligado no quarto quente é emprestado da também angentina Lucrecia Martel, mas os corpos jovens de pijama, próximos, repartindo memórias, histórias e momentos, bebe direto da juventude alienada do espaço externo de Sofia Coppola.

Pichon-Riviére constrói planos muito bonitos, mas que são quase etéreos. Muitas vezes o filme é tão atmosférico que parece que não é possível dar conta do que está acontecendo em termos de narrativa e a falta uma estrutura para guiá-la. Mamãe, Mamãe, Mamãe evoca imagens de um crescimento, que entre a perda e amizade, não é simples de delimitar.

Compartilhe
Share

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *