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[44ª Mostra de São Paulo] Mar de Dentro

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online.

Manuela (Monica Iozzi) é uma mulher cuja vida é voltada para a carreira, em uma agência de publicidade, na cidade de São Paulo. O trabalho lhe garante uma situação financeira rara para a realidade brasileira. E lá também que começou a namorar com um colega de trabalho. Esse é o ponto de partida de Mar de Dentro, filme dirigido por Dainara Toffoli, que também assina o roteiro com Elaine Teixeira.

Logo no começo se estabelece a conexão entre seu namorado e o mar, tão distante da cidade onde moram. Ele gosta de mergulhar e tenta convencê-la a um dia fazer isso com ele, mas ela informa que quando era adolescente quase morreu afogada. Ele cuida de um aquário de água marinha, aprisionando um pedaço do mar para si.

A tranquilidade do relacionamento que, iniciando, tem ar quase casual, é alterada com a descoberta de que Manu está grávida. Ela não quer o bebê, diz que agora não é a hora. Ele quer, pergunta quando será? Ela rebate se ele vai carregar a barriga por 9 meses, se vai amamentar depois do parto. Ele garante sua presença. Os laços entre eles se estreitam e tudo parece que pode dar certo.

Mas uma reviravolta a deixa só pelo fim da gestação. Monica Iozzi carrega muito bem as emoções confusas da personagem: sua seriedade, sua desolação, os soluços que explodem debaixo da água que cai do chuveiro. Tudo isso enquanto ela se acostuma com a realidade de maternidade solo. Outro destaque também é a sempre ótima Gilda Nomacce, que mesmo em um papel menor, imprime nuance nos pequenos detalhes.

A aparição pontual dos sogros, cristãos ferrenhos que disfarçam controle com cuidado, é uma espécie de crítica que não se concretiza, mas não chega a atrapalhar o desenrolar da trama. O mesmo acontece em relação à possibilidade de Manu contratar duas babás para poder trabalhar em vários turnos. O fato de um delas também ser mãe também é pincelado, bem como a consequente alienação dela em relação a sua própria filha por necessidade financeira. Por outro lado a própria Manu desconhece a rotina de seu filho em virtude de suas ausências prolongadas. E como estar presente se não existe acolhida para a maternidade em um mercado tão competitivo?

O ponto forte do filme está nos pequenos detalhes: nas rotinas, nas descobertas, nas delicadezas, na forma como mostra como cada pessoa tem um palpite, mas, no final, o que resta é a solidão da mãe e suas escolhas, ainda que em um contexto tão privilegiado. Mar de Dentro não romantiza a maternidade, mas a trata com uma beleza melancólica.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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