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[47ª Mostra de São Paulo] Vadio (2022)

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 19 de outubro e 1 de novembro.


Peguei-me pensando sobre o título desse filme. Vadio. Curto, direto e tão significativo na língua portuguesa. Uma rápida busca por definição informa: “Que não tem ocupação ou que não faz nada Próprio de gente ociosa, que não trabalha ou não tem ocupação. Que vagueia; vagabundo”. De fato, André (Rubén Simões), o protagonista do filme, é um adolescente e como tal deveria estar estudando, mas não está. Mas não está porque está, justamente, ocupado trabalhando com o pai, longe de vadiar.

Eles vivem em uma região pouco povoada e seca e ele o ajuda no trabalho de cavar poços e encontrar água para outros habitantes da região. A pele, muitas vezes filmada bronzeada, suada e empoeirada, demonstra o trabalho cansativo. As roupas puídas, o tênis desgastado e a casa preenchida com móveis velhos indicam que a situação financeira de ambos não é nada boa. Ainda assim o pai lhe dá um tablet de presente. Isso um pouco antes de abandoná-lo numa cidade próxima, deixando o garoto apenas com uma bolsa com poucas peças de roupa. E, aí sim, André se torna vadio: aquele que vagueia, sem rumo.

André não sabe cozinhar, não tem nenhum familiar ou amigo a quem recorrer, não consegue mais contato com o pai e se vê só. E assim descobre que o pai cobrava indevidamente pelas escavações, indicando profundidades maiores do que aquelas que realmente precisava para encontrar água. Ocupando a casa ao lado temporariamente está Sandra (Joana Santos), a única pessoa com que o menino pode contar para tentar resolver sua situação. Ela mesma está sem acesso a sua filha, que está sob os cuidados de sua mãe.

O longa de estreia do cineasta Simão Cayatte acerta no minimalismo com que aborda os acontecimentos. A câmera na mão, ansiosa, capta planos e contraplanos dinâmicos. Ao mesmo tempo, dialoga com uma fotografia que retrata a superfície de rostos com luzes intensas e variadas, do sol que reforça a aridez da paisagem, passando pelo verde desconfortável até o farol do carro que, amarelo e quente, é acolhedor e demonstra o carinho do contato, mesmo no ermo da geografia.

A atuação de Rubén Simões expressa bem a frustração represada, o isolamento e o senso de sobrevivência que André precisa demonstrar. Existe uma violência em ebulição no interior do garoto, que sente raiva e se ressente pelo que está vivendo. Trata-se de uma obra atmosférica, em que poucas ações transcorrem efetivamente. A narrativa se vale do encontro desses dois personagens que unem suas solidões. Um menino em busca do pai. Uma mulher em busca da filha. Em Vadio, duas figuras parecem descobrir a possibilidade de estarem juntos e compartilharem, em meio à dureza do entorno, de companhia, proteção e cuidado.

Imagem: Divulgação

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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