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[49ª Mostra de São Paulo] Entrevista com Alex Burunova

Este texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.


Parte da cobertura do Feito por Elas da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, essa conversa com a cineasta Alex Burunova aborda o filme Satisfação (Satisfaction), protagonizado por Emma Laird, que foi rodado na Grécia e levou 10 anos para ser executado. Camila Henriques conversou com Alex sobre o filme.

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Entrevista, pesquisa, pauta e apresentação: Camila Henriques

Edição de som: Isabel Wittmann

Transcrição e tradução: Isabel Wittmann

Produção e arte da capa: Isabel Wittmann

Vinheta de abertura composta por Felipe Ayres

Música de encerramento: Bad Ideas – Silent Film Dark de Kevin MacLeod está licenciada sob uma licença Creative Commons, Attribution, Origem, Artista.

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Confira a transcrição traduzida da entrevista abaixo:

Camila: Então, estou aqui com Alex Burunova. Eu disse certo?

Alex: Sim, você disse. Muito obrigada.

Camila: Muito obrigada. Agora, sobre a exibição do filme, você mencionou que o filme levou cerca de 10 anos para ser feito. E já falamos antes sobre os desafios de ser uma cineasta mulher, uma cineasta independente, e também sobre o tema. Li que haviam até 110 rascunhos do roteiro. Você poderia nos guiar por essa jornada do filme?

Alex: Sim, você sabe, levou tanto tempo para ser feito por três motivos principais. Primeiro, é um filme muito pessoal, e para ser realmente sincera consigo mesma e ser capaz de falar com o coração e escrever com o coração, isso leva tempo, isso leva rascunhos. Então, 10, 110 rascunhos. Então, me tomou, sabe, seis anos para parar de driblar algumas questões e realmente abordar como esse roteiro está me fazendo sentir como artista, como os eventos da minha vida me fizeram sentir como pessoa, e ser realmente, realmente sincera. Então, a segunda parte é que é um filme pessoal, é um drama e é um filme realmente centrado em mulheres. É focado na jornada feminina e isso é difícil para investidores. Então, levantar fundos para o filme também levou um tempo. E sabe, nós produzimos de forma independente, fora de um sistema de estúdio, fora de uma grande produtora, e, sabe, eu e meus produtores estivemos arrecadando fundos por tantos anos até encontrarmos as pessoas certas que queriam nos ajudar a contar a história, que acreditavam na mensagem, que acreditavam em sua importância e acreditavam na arte do roteiro também. E a terceira coisa que levou um tempo é que é realmente… é uma história que vive em ser autêntica. Só funciona se for autêntica, então a escolha do elenco levou um tempo. E encontrar os atores certos que pudessem habitar esses personagens, que pudessem ser tão autênticos com o material, levou um tempo. Levou três anos também, e é por isso que estamos aqui.

Camila: Você… Eu ia te perguntar sobre a Emma, ​​que interpreta a personagem principal. O filme conta muito com ela porque há muitos closes e ela passa por uma jornada tão intensa de ser uma artista, sabe, alguém que tem sua arte tirada de si, o que eu acho que é um assunto muito importante para falar, porque mesmo hoje em dia temos isso e os eventos que acontecem com ela. Li que um dos seus produtores a encontrou nos vídeo das gravações diárias de O Brutalista. Como foi?

Alex: Tivemos muita sorte com a Emma. Então, um dos meus produtores estava trabalhando como produtor executivo em O Brutalista e eles estavam recebendo as gravações diárias, então um dia ele me ligou e disse: “Você tem que conferir essa garota”. Ela é maravilhosa. Ela é inacreditável. E eu fiquei meio… Eu não tinha certeza sobre isso. Perguntei: “Qual é o nome dela?”. “Quem é ela?”. Eu nunca tinha ouvido falar dela antes. Mas eu fui lá e vi as gravações diárias e fiquei impressionada com a atuação dela. Tão autêntica, tão presente e cada tomada era diferente das demais. Não estava preparada. Ela estava completamente no momento. Quer dizer, ela é um gênio. Eu realmente acho que ela é a próxima Meryl Streep. Saberemos o nome dela. Ela ganhará o Oscar com certeza. Não há dúvida sobre isso. Ela é incrível. E então, você sabe, ela não é apenas talentosa, ela também é trabalhadora. Ela se preparou por seis meses para esse papel. Trabalhamos toda semana, nós… ela, nós criamos memórias formativas para essa personagem. Criamos memórias de infância. Ela fez aulas de piano porque é um filme sobre uma compositora e pianista britânica e então ela não dependia de uma dublê. Ela queria tocar ela mesma. Ela tocou muito sozinha. Então nós realmente não… Quer dizer, usamos uma dublê de mão que também era nossa compositora Midori Hirano, mas não precisávamos depender exclusivamente de dublê de mão. Emma aprendeu as músicas, Emma aprendeu a tocar piano bem o suficiente para passar como uma pianista com formação clássica. E esse é o nível de preparação, esse nível de paixão e dedicação. E além disso, ela fez muita pesquisa. Ela foi e conheceu muitos compositores britânicos daquela parte específica do leste de Londres. Ela foi ao conservatório. Ela mergulhou naquele mundo. Ela estava, sabe, entrevistando alunos, tipo, como é ser um aluno de um conservatório? Quanto tempo livre você tem? Você sai para festas? Que tipo de drogas você usa? Como é sua vida amorosa? Tipo, tudo. Então ela fez seu trabalho para que a personagem que ela interpretasse não fosse como uma interpretação de outros personagens que ela viu em filmes, mas uma pessoa real e vivida.

Camila: Sim, eu acho ela incrível. O elenco é incrível, mas o tom depende dela para ser bom.

Alex: Sim, ela está em todas as cenas. Ela está em quase todas as tomadas. E eu vi… eu tive que ter uma visão disso. É por isso que levei três anos para encontrar a minha Lola. Estive tentando escalar esse papel há três longos anos.

Camila: Eu estava… eu entendo completamente, sabe, agora que a vi, tendo-a visto no mundo. Ela foi realmente impactante e é sobre isso que eu quero falar com você. Você mencionou que a história é muito pessoal para você e que isso levou um tempo na escrita do roteiro. E eu, como algumas críticas, sinto desconforto em assistir a certas representações de mulheres na tela. Então eu realmente gostei da maneira como você elaborou tudo o que ela passa, tudo passando pelos olhos dela. Sabe, nós vemos tudo o que está acontecendo e você sabe do que ela está falando por meio dos olhos dela. E com o uso dos sons, às vezes sem trilha sonora, e depois com as ondas batendo nas pedras. Eu realmente adoro todo o conceito, toda a combinação desses elementos. Eu queria falar especialmente sobre essa escolha de ter música em certos momentos e, em outros, apenas o som das ondas e o rosto dela.

Alex: Sim, o som e a música são parte integrante da história. Eu queria torná-la uma experiência oral imersiva. Uma experiência sonora imersiva, porque é uma história sobre uma jovem compositora que processa seu mundo por meio de sua relação com a música e o som. Ela processa sua relação consigo mesma por meio da música e do som. Vemos no início do filme que ela está gravando sons aleatórios de ciclistas, pessoas conversando, gotas de chuva e metrô, e então ela incorporou esses sons à sua música clássica. E então, eu queria mostrar como esse evento traumático, que acontece no meio da história, a afetou e como ela não é mais, depois que esse evento aconteceu, ela não é mais capaz de processar o mundo e absorvê-lo como antes, e ela não é mais capaz de se processar e se olhar como costumava, através do som. Então, no início do filme, em Londres, dois anos antes, há música, há som, caos, pessoas… há muito… muito som. Mas nos dias atuais, na Grécia, dois anos depois, após o evento, não há música alguma e não usamos trilha sonora. A única música que ouvimos é em um café, se for a banda que toca lá. Mas na Grécia, usamos trilha sonora não musical. Então, gravamos 600 sons naquela ilha específica onde filmamos. E nosso designer de som, um designer muito talentoso que também é músico, Javier Umpierrez, que é da Argentina, trabalha na Cidade do México, criou uma trilha sonora não musical com as mesmas regras da trilha sonora, com escalada rítmica, repetição, mas sem usar nenhum instrumento. Apenas ondas, apenas cigarras, apenas vento, e você sente. Porque eu queria que sentíssemos… Eu queria que sentíssemos essa experiência em nossos ossos. E então nós sampleamos certas frequências. E então algumas cenas são certas frequências que deveriam nos afetar de certas maneiras. E sim, muito da experiência do filme está no rosto de Lola. Está em microexpressões. E é tão bom porque ela entrega. Ela não precisa falar. Ela não precisa dizer as palavras porque podemos ver em seus olhos. E aquela cena crucial, a cena do trauma, eu escolhi ambientá-la em seu retrato. Há apenas um corte e o resto está em seu rosto. Foi roteirizado dessa forma, foi listado como filmado dessa forma porque eu queria que vivenciássemos seu desligamento. E como é isso quando o corpo… quando você se desliga, quando você… É uma escolha automática. Não é uma escolha. É uma reação a certos traumas, a certas experiências chocantes, uma reação do seu corpo para não mais começar, não processá-los.

Camila: É muito poderoso. Algo que eu realmente amo nele é que se passa na Grécia e nós vimos ficções muito felizes da Grécia, mas aqui vemos um lado diferente. Você disse que deveria ser mais colorido do que a projeção que eu vi, mas eu realmente gostei que parece triste. Parece muito fechado. Às vezes, ela se sente como se estivesse em uma prisão. Aquela casa é muito escura. Eu queria falar sobre o cenário e por que você escolheu aquele espaço, aquele lugar, aquela ilha?

Alex: Então, aquela ilha… Eu sabia que queria ambientar o filme em uma ilha grega desde… quase desde o começo. E então eu fui… Eu não sabia, eu não tinha estado em muitas ilhas gregas. Então, eu fiz uma excursão enquanto escrevia o roteiro e fui para oito ilhas. E esta ilha específica, Antiparos, foi a última da excursão e eu estava tão cansada que ia pular. E então, é claro, como em toda boa história, eu decidi que tá bom, eu vou lá. E no momento em que saí da balsa, tive um déjà vu, como se já tivesse estado lá, já tivesse filmado o filme e gostado. E aquela sensação de estar lá, sabe, e a sensação de que o filme pertence àquela ilha foi mais forte. Então, não é algo que eu possa explicar, é uma sensação. É por isso que esta ilha. Mas então comecei a explorá-la e, de fato, a ilha tinha tudo o que eu precisava para contar a história da maneira certa. Tinha todas essas joias arquitetônicas impressionantes, esses prédios modernistas construídos na encosta de um penhasco, que são tão frios e cinzas, mas tão magníficos, e combinam com a ilha, que tem paisagens marinhas e paisagens terrestres, e foi aí que Persona, de Ingmar Bergman, me veio à mente.

Camila: Me lembrei mesmo de Fårö [ilha onde Bergman filmou várias de suas obras, incluindo Persona]…

Alex: Sim, parece exatamente… parece exatamente o que a personagem sente. É lindo. Eu deveria ser grata, né? Mas não parece acolhedor. Não parece bom. E, sabe, faz você se sentir meio isolada e pequena, e sabe, não precisamos fazer muita coisa. Não precisamos fazer muita direção de arte. A ilha, a arquitetura falavam por si e, embora, é claro, nossa diretora de arte Olga Yurasova, que é uma diretora de arte ucraniana muito talentosa, tenha feito um trabalho incrível e excepcional de controle da paleta de cores, porque filmamos a Ilha Grega fora de temporada, o que é outra coisa que estamos acostumados a ver uma ilha grega no verão, alegre, brilhante, cheia de sol, e este é um tipo diferente de Grécia. É uma Grécia na primavera, fora de temporada, um pouco nublada, certo? Então, eu queria ambientá-la em um momento intermediário, entre momentos. E eu acho…

Camila: É muito lindo.

Alex: Obrigada

Camila: Tem uma qualidade idílica, mas é muito triste. E no finalzinho você sente. Agora, só para finalizar, em nosso site falamos sobre mulheres cineastas e gostamos de encerrar nossas entrevistas com uma recomendação. Você  recomenda alguma diretora ou filme com uma diretora que te inspirou ou que você gostaria de recomendar?

Alex: Meu Deus, tantas. Sou péssima com nomes. Quer dizer, Retrato de uma Jovem em Chamas [de Céline Sciamma] é um filme incrível que me tocou profundamente, tanto formal quanto emocionalmente. Babygirl [de Halina Reijn] é outro filme incrível de uma cineasta incrível que, sabe, é algo que eu nunca tinha visto antes, explorando a sexualidade feminina do ponto de vista feminino com tanta alegria e tal, simplesmente… é tão emocionante e tão cru, sabe, e destemido. Só de assistir, eu fiquei tipo: “É isso!”. A Substância [Coralie Fargeat], (com) a fúria feminina personificada. Eu estava assistindo, tão feliz que coisas assim existam. Sabe, há tantas cineastas incríveis surgindo, contando suas histórias de maneiras realmente cheias de nuances e reflexões. Garça-Azul é um filme que está em cartaz no festival que é realmente incrível, único e original. Tantas! Essa é uma pergunta difícil! Sim, eu acho que essas… Isso é apenas a ponta do iceberg e, sabe, quanto mais empoderarmos o cinema e as cineastas para contar suas histórias, mais investidores financiam esses filmes, mais compradores compram esses filmes, mais distribuidores distribuem e quanto mais o público assiste a esses filmes e quanto mais esses filmes são procurados, mais (filmes) teremos.

Dennis: Muito obrigado, Isabel.


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, Henrique Barbosa, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Marden Machado, Mariana Silveira, Nayara Lopes, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha.

Crítica de cinema, membra da Abraccine, amazonense, 30+, ama novela mexicana

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