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[49ª Mostra de São Paulo] Nada a Fazer

Este texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.


“Um teatro a salvar. Só o teatro para nos salvar.”

Legado talvez seja a palavra-chave para o novo documentário de Leandra Leal, Nada a Fazer (2025). Assim como em seu primeiro filme, Divinas Divas (2016), a diretora parte de algo profundamente pessoal. Se em Divinas… o Teatro Rival era o ponto de partida para que ela contasse as histórias de quem subiu naquele palco, agora o negócio de família aparece em risco durante a pandemia de Covid-19 e em meio à desvalorização da cultura no governo Bolsonaro.

É nesse contexto que somos convidados à mesa de jantar de Leandra e sua mãe, a também atriz Ângela Leal. Duas mulheres unidas pelos laços familiares e pelo mesmo ofício. Com o olhar perdido, a mais velha não quer mais atuar, após uma experiência cansativa e decepcionante com a novela Dona Xepa (exibida em 2013 pela TV Record). Desencantada com a profissão que escolheu justamente por lhe permitir viver as várias facetas da humanidade — e isolada por conta da pandemia —, ela atende ao chamado da filha para uma leitura aparentemente despretensiosa da peça Esperando Godot, de Samuel Beckett.

A obra é composta por diálogos entre duas pessoas que, bem, esperam um tal de Godot. Ver Angela e Leandra atuando juntas, em um espaço de improvisação e debate sobre o texto, é um presente. O documentário transforma a peça de Beckett em uma extensão dos dilemas e das dúvidas de ambas naquele momento de pandemia (o próprio título do filme vem de uma das falas do personagem Estragon).

Com o futuro do Teatro Rival em risco, o que mantém mãe e filha com a alma em paz em tempos incertos é fazer teatro. Mais do que um exercício para enganar o tédio, encenar Esperando Godot na sala de casa, de forma livre (com espaço para Julia, a filha de Leandra, brincar por perto ou reagir à estranheza de um texto de Beckett) torna-se um gesto de sobrevivência. Ao mesmo tempo, vemos como aquela vocação se formou em Leandra e como as marchas foram mudando para Angela, que, aos poucos, deixou a carreira de atriz para se dedicar à administração do Rival. O filme intercala esses registros domésticos durante a pandemia com imagens de arquivo, mostrando uma Angela apaixonada pela criação de personagens, defendendo o teatro de sua família, e uma jovem Leandra sempre ao lado.


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, Henrique Barbosa, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Marden Machado, Mariana Silveira, Nayara Lopes, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha.

Crítica de cinema, membra da Abraccine, amazonense, 30+, ama novela mexicana

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