
[78º Festival de Cannes] O Riso e a Faca
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio.
Não é novidade que o cinema integrou (e ainda integra) um processo neocolonial contemporâneo que parece ainda muito distante de encontrar seu fim, vez que se articula através de formas indiretas de dominação, sutis por se manifestarem não por violências frontais, mas por inserções cotidianas na economia, na cultura, na tecnologia, na exploração de recursos naturais de determinado povo e país. É o neoimperialismo revestido de moço branco bem apessoado e cheio de boas intenções. Nesse contexto, Pedro Pinho, diretor português que levou O Riso e a Faca, coprodução brasileira, na competição da mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2025, de certo modo, se coloca no risco de exercer exatamente esse papel.
Em O Riso e a Faca, Sérgio (Sérgio Coragem) é um engenheiro ambiental português, que viaja para uma futurista região fronteiriça entre a Guiné Bissau e Luanda para concretizar um projeto de construção de uma estrada que corta a selva e o deserto daquela região do continente africano. Diretor e personagem se fundem na representação, justamente, do perfil explorador. São, ambos, portugueses em território outrora colonizado por seu país natal. Pedro Pinho, o colonizador que deseja realizar sua arte sobre o povo colonizado. Sérgio, o trabalhador branco que se insere no território colonizado em busca da clássica “mudança de vida” que engloba, invariavelmente, o contato com o diferente, o exótico.
O diretor parece consciente da possibilidade de um viés exploratório de seu filme. Acerta ao limitar o seu olhar e o olhar de Sérgio àquilo que conhece – a visão observacional e de estudo do homem branco nesse território que não lhe pertence, o que se mostra um esforço pela não exploração. Ele perpassa essa jornada quase de forma espiritual, se conectando com pessoas, com lugares e suas belezas e mazelas, lidando com suas emoções e sua saúde mental.
O Riso e a Faca é enriquecido pelo carisma da atriz cabo-verdiana Cleo Diára, que ganhou o Prêmio Melhor Interpretação Feminina na Mostra Un Certain Regard, e pelo ator brasileiro Jonathan Guilherme, que interpretam, respectivamente, Diára e Gui, personagens que formarão elos intensos com o protagonista e que farão parte de sua formação de autoconsciência.
A visão do colonizador sobre a terra colonizada e sobre o próprio colonizado é de curiosidade, aprendizado, e em que pese o esforço de Pedro Pinho, pende, em muitos momentos, ao olhar exótico. Imageticamente é muito bonito, trazendo uma atmosfera documental ao lidar com questões cotidianas e ao trazer não atores, que muito interessam à câmera do diretor, e que fazem de O Riso e a Faca uma viagem que não se limita à contemplação justamente pela busca da humanidade de seus personagens.


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo e patrocínio. Agradecemos em especial a: Ana Carolina Ballan Sebe, Caio Pimenta, Eduardo Filho, Lucas Ferraroni, Maria Eliana Pilon, Renata Boldrini, Thiago Bocanera Monteiro, Tiago Maia e Wellington Almeida;
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