
[78º Festival de Cannes] The History of Sound
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio.
Em certo momento, quiçá já na metade da projeção de The History of Sound, eu me vi torcendo para que, durante os duetos de música folk estadunidense cantados por Lionel (Paul Mescal) e David (Josh O’Connor), houvesse uma grande reviravolta vampiresca e uma nova versão de Pecadores, de Ryan Coogler, se formasse, quiçá, assumindo um lado queer. Não é que não aprecie as canções do gênero. Não é que não admire Mescal e O’Connor, pelo contrário, tenho gostado muito dos mais recentes trabalhos do último. É que, em que pese a união de tantos elementos promissores – bons e atrativos atores, canções folks, um romance dramático queer de época – não há nada que o diretor Oliver Hermanus faça para ocultar a notável falta de conexão entre todos eles, e principalmente, a carência de alma que sustente seu filme para torná-lo minimamente interessante.
Baseado na história homônima de Ben Shattuck, em The History of Sound, David e Lionel são jovens estudantes que se conhecem em 1917 no Conservatório Musical de Boston, durante plena vigência da 1ª Guerra Mundial. A atração imediata entre eles será intermediada pela paixão à música folk e pela voz, e os minutos iniciais da obra servem para estabelecer esse contato primeiro entre os personagens, enquanto compartilham esses pontos comuns perante o piano de um bar. Lionel é portador do que seu pai chamou de “dom da música”, e a voz de David é para ele como ímã, ao escutá-lo entoar uma melodia que ele só ouviu na infância.
A introdução do relacionamento tem certo encanto, mas paira um desconforto que vamos compreender melhor no decorrer da narrativa. Sob o manto do figurino de Miyako Bellizzi (Joias Brutas) e do contexto melancólico daquele tempo, bem incurso na falta de vida e cor, na frieza e escassez presente das casas, do ar notoriamente glacial e na insuficiência das vestimentas, disfarça-se a ausência absoluta de química entre os personagens. Juntos e apaixonados, eles partem numa jornada rural de captação de sons, gravando, através de um aparelho tubular, as canções folk que escutam durante a viagem, como um estudo para elaboração de posterior acervo.
Há, de fato, certa dualidade entre as personalidades de Lionel e David que Oliver Hermanus busca destacar para, nesse período de estudo e estrada, torná-las muito pequenas ante o que seria a paixão que nutrem um pelo outro. Lionel, em que pese sua sensibilidade musical, carrega certa brutalidade rústica e mostra-se apático no que diz respeito às relações que mantém. David, por seu turno, exala sensibilidade muito embora uma figura metropolitana. Mesmo em tais momentos, inseridos para justamente fixar a ligação entre os personagens, não o sentimos, e claramente, não o sentiram também os atores. Há um esforço condenável, inclusive, para tornar as cenas de sexo gay mais aprazíveis e desprovidas de qualquer tesão, o que, certamente, modula a falta de interesse do espectador por esse casal.
The History of Sound prefere caminhar em cima do muro, pelas beiradas, de forma segura, e por isso mesmo, tão fria quanto o ar gélido devastador que enfrentam os personagens. Gosta mais da tragédia do que da história de amor, e em tratando-se de um romance queer, a escolha mostra-se um tanto questionável. Mesmo assumindo-se como tragédia, que deveria, em suma, nos arrancar algumas lágrimas, o deleite final do espectador é rever Chris Cooper em tela no papel de Lionel nos anos futuros, sendo sua aparição um presente e o calor que faltou ao filme. Pena que esse acalento cinematográfico nos tenha sido dado por poucos minutos, no final da projeção.


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo e patrocínio. Agradecemos em especial a: Ana Carolina Ballan Sebe, Caio Pimenta, Eduardo Filho, Lucas Ferraroni, Maria Eliana Pilon, Renata Boldrini, Thiago Bocanera Monteiro, Tiago Maia e Wellington Almeida;
e


