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Alien: Covenant (2017)

“Meu nome é Ozymandias, rei dos reis:
Contemplem minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos!”
Nada resta: junto à decadência
Das ruínas colossais, ilimitadas e nuas
As areias solitárias e inacabáveis estendem-se à distância.

Percy Shelley- Ozymandias

Dirigido novamente por Ridley Scott, Alien: Covenant se apresenta como uma continuação direta de Prometheus, ainda que aquele não se assumisse como um filme Alien. Dessa vez o terror é deslocado do alien em um cenário hermético para o anseio por criar, que nos definiria humanos, fazendo uso de um design de produção interessante (incluindo a criação de um planeta e suas edificações, além de protótipos falhos de seres vivos) é uma edição de som competente.

Ao final daquele filme, a doutora Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e o androide David (Michael Fassbender), únicos sobreviventes da nave Prometheus, decidem se deslocar para o planeta dos Engenheiros em busca de respostas a respeito da origem da humanidade. Passados dez anos anos, a tripulação de uma nave de colonização está a caminho de um planeta localizado ainda há cerca de sete anos de viagem. Levam com eles mais de dois mil colonos, para ocupar aquela atmosfera parecida com a da Terra. No meio do caminho detectam um planeta com sinais de vida que parecem humanos e ambiente apto para viver. Vem a decisão de explorar o local pela possibilidade de encurtar o tempo de viagem. Em uma manobra um tanto quanto preguiçosa de roteiro, esse local coincidentemente é o mesmo planeta dos Engenheiros e o grupo novo se encontra com David. Aliás, não só a coincidência é forçada, como o filme aqui repete a mesma estrutura utilizada no filme anterior: a equipe de exploração que vai ao solo, os problemas de comunicação, os dois que se separam dos demais e aí tudo se complica.

O David encontrado pelos humanos é literalmente um reflexo distorcido no espelho, alterado pelo tempo de solidão. Em contato com os colonos, volta a se humanizar, como que se adequando àquilo que lhes é aceitável. Em um flashback o vemos despertando para a vida e conversando com Weyland (Guy Pierce), seu criador. Pergunta quem criou o humano e esse não sabe responder. O androide fica perplexo com essa falta de resposta. Quando conhece Walter (também Michael Fassbender), o androide que acompanha Daniels (Katherine Waterson) e que é que uma versão sua mais atualizada, ele afirma que Weyland era humano, indigno de sua criação. É nesse ponto que seu posicionamento fica claro: uma intensa vontade de conhecer a real origem da humanidade e o desprezo pelo conhecimento incompleto de seu criador. Nesse momento o filme chega, mesmo, a dialogar com Blade Runner.

Em Prometheus fica claro que David age com uma consciência própria, buscando responder suas próprias perguntas. Aqui isso se desdobra: David não só segue uma vontade própria de se alimentar de conhecimento: ele quer se diferenciar dos demais androides através da criação. A beleza de compor uma música, de escrever um poema, de fazer algo com suas mãos atendendo a um ímpeto que parte da noção de si é o que lhe fascina. Então quando David explora essas ações de criação ele age como sujeito pleno, que se aproxima dos humanos. Walter foi atualizado para não criar: a criação demonstra uma abstração e é um impulso que perturba os humanos ao testemunharem-na em um não-humano.

A visão criacionista de mundo da doutora Shaw é substituída pela criação enquanto domínio da técnica, expressão da arte e expressão de terror. Não por isso o filme deixa de ter alegorias religiosas: aparecem o beijo de Judas antes da traição, o retrato da Santa Ceia reproduzindo aquele de Leonardo da Vinci, culminando nos embriões de Adão e Eva sendo transportados para o Paraíso.

Por fim, ao destruir quem criou seu criador, David se torna muito mais: ele se coloca acima de uma humanidade indigna daquilo que cria. David questiona Walter, perguntando se ele preferia reinar no Inferno ou servir no Paraíso. Ele encontra sua resposta na possibilidade de reinar no Paraíso. A criatura se torna deus por meio da engenharia genética e justamente adentra o Paraíso ao som da música dos deuses que marcham para Valhalla.

Apesar da preguiça com que as decisões-chave dos humanos são tratadas no roteiro, do plot twist previsível e das cenas de ação confusas e enfadonhas, mas ainda com um suspense que funciona, o filme trata de questões importantes. Nesse sentido, chega mesmo a ampliar e qualificar Prometheus, ao dar um sentido a alguns temas presentes lá, conectando-os ao filme original.  É possível que ninguém ou pouca gente tenha se perguntado sobre eles em 1979, mas agora que as perguntas estão lançadas, são satisfatórias. Alien: Covenant não é, portanto, uma prequela necessária. Mas desestabilizando os sentidos de divindade, humanidade e criação, o filme desloca o terror da morte para o surgimento, e do desconhecido para a busca por respostas, mostrando-se pelo menos interessante em suas discussões.

 

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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