Cinema,  Críticas e indicações,  Filmes

[Cine PE 2025] Do que são feito os sonhos?

Este texto faz parte da cobertura do Cine PE Festival do Audiovisual 2025, Film Festival 2025, que ocorre entre 9 e 15 de junho.

Do que são feitos os sonhos? Da memória desconhecida, do fim do medo, da estabilidade financeira e do despertar para a vida ainda em vida. Os filmes do terceiro dia do festival falam sobre o cotidiano e fatos que atravessam vidas comuns de maneiras diferente.

XVII

O sonho é a ferramenta para a conexão com o passado e a recriação de formas não conhecidas de afeto. “Sonho em Ruínas” (PE) a voz a figura da bisavó silenciada pelo apagamento racial. O sonho é o gatilho. Na mistura de relato e ficcionalização da memória, o filme ensaio oferece à essa mulher uma memória.

XVIII

A vingança como ferramenta de libertação do patriarcado. O flerte com o cinema de gênero de Tarantino, claramente o ataque ao algoz, uma vingança direcionada, é o ataque a uma ideologia coletiva de constante ataque ao corpo feminino. O plano sequência – que é maior que a metade de “Tapando Buracos” (AL) -, tensiona o clima que pouco antes era dividido entre os dramas das tapadoras de buraco e a comédia provocada pelos personagens masculinos ao seu redor. O tabu sobre a menstruação escancara o descaso sentido por mulheres vulneráveis que vivem a pobreza menstrual. Em cena, as personagens tampam buracos desde o primeiro gesto, ao usar miolo de pão como absorvente interno, como ao cavar e tampar as locas na estrada, finalizando no tampar a boca do assediador, uma metáfora para silenciar a opressão que atinge nossos corpos.

XIX

No interior do Mato Grosso ouvimos pelo rádio notícias sobre o agro em um discurso convincente sobre como o agropop faz bem para o país. Em contraponto, entre o silêncio e o silenciamento conhecemos a história de um homem que vive da limpeza dos caminhões que transportam as cargas de soja e a venda do “lixo” retirado desses veículos: cada grão de soja recuperado é colocado em uma saca e esse volume, ao fim, se transforma em um produto de venda, subvalorizado em 50%. “O Último Varredor” (MT) tem um trabalho primoroso de edição de som que nos mantém em sintonia com o cotidiano de um varredor de grãos. Da mesma maneira, as imagens captadas e montadas, são outra forma de visualizarmos os fragmentos da rotina de um trabalhador que se encontra na parte mais baixa da hierarquia dos beneficiados pelo agronegócio e plantio de soja, no Brasil.

XX

Pessoas idosas merecem viver a vida e desfrutar do desejo, não apenas adoecer e se tornar uma espécie de fardo para uma sociedade.

 XXI

Entre o comodismo e a insubordinação, cresce o medo de não ser bem visto por não se portar de acordo com as regras. Alguém que se torna mãe e posteriormente avó, passa a ser encarado como alguém que precisa abrir mão de ser uma mulher. A diversão só pode existir se estiver atrelada às duas imagens, a de mãe e a de avó. “Senhoritas” (PE) oferece a sua protagonista uma sobrevida no momento que sua vida parece ter estagnado.

XXII

Mulheres diferentes devem coexistir em um mesmo corpo. Em “Senhoritas”, o encontro dessas várias faces moldam uma mulher cada vez mais forte: a avó amorosa, esposa companheira, mãe dedicada, aposentada cheia de conhecimentos, arquiteta, dançarina, se conectam. A grandiosidade de cada uma vem justamente das suas várias camadas.

XXIII

Tratar com gentileza uma personagem masculina: o marido, mesmo confuso e abalado pelas mudanças que acontecem ao seu redor tem maturidade e conhecimento o bastante de sua companheira e de sua relação ao ponto de se tornar um aliado e não um carrasco.

XXIV

A sexualidade não morre, no máximo adormece.

Programação do dia 09 de junho de 2025

MOSTRA COMPETITIVA DE CURTAS-METRAGENS PERNAMBUCANOS

“Sonho em Ruínas” (PE), Ficção, Direção: Priscila Nascimento, 4’

MOSTRA COMPETITIVA DE CURTAS-METRAGENS NACIONAIS

“Tapando Buracos” (AL), Ficção, Direção: Pally e Laura Fragoso, 20’

“O Último Varredor” (MT), Documentário, Direção: Perseu Azul e Paulo Alipio, 13′

MOSTRA COMPETITIVA DE LONGAS-METRAGENS

“Senhoritas” (PE), Ficção, Direção: Mykaela Plotkin, 87’

Artista visual, desenhista, graduanda em Letras - Tecnologias da Edição. Membro Abraccine, votante do Globo de Ouro (Golden Globe Awards). Pesquisadora de cinema, principalmente do gênero fantástico, bem como representação e representatividade de pessoas negras no cinema. Devota da santíssima trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *