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[Cine PE 2025] O que é amor?

Este texto faz parte da cobertura do Cine PE Festival do Audiovisual 2025, Film Festival 2025, que ocorre entre 9 e 15 de junho.


No primeiro dia de CinePE os filmes exibidos falaram de diversas formas de relacionamento. O amor foi abordado em suas várias dimensões, e os prós e os contras do sentimento e das reações que ele provoca, transformados em imagens que dialogam com assuntos como relacionamento entre pais e filhos, violência física e psicológica, bem como entender o que o amor provoca em cada pessoas em sua individualidade. 

I O documentário Eu Preciso Dizer Que Te Amo (PE), dirigino por Marlom Meirelles e Estudantes da Rede Pública do Jaboatão dos Guararapes, é uma prova de amor desde sua origem. Ao possibilitar que estudantes da rede pública aprendam a prática do fazer cinematográfico, e que eles usem disso para falar sobre o que sentem e principalmente que isso seja um caminho de criação artística por si só já é um ato de um amor de amor. Todos entrevistados que vemos em cena demonstram múltiplas dimensões de como o amor romântico atravessou sua vida. E, com isso, o curta documentário constrói um diálogo pautado nas dores mais profundas e na breguice de amar. 

II

Cantar uma música é demonstrar amor. Cantar uma música é brega. Amar é brega. Brega é bom. 

III 

O controle sobre os corpos femininos vem sendo recorrente no cinema de curta e longa-metragem brasileiro, ou estrangeiro, ao longo de bons anos. E mais uma tentativa de tratar do assunto Esconde-Esconde (PE), de Vitória Vasconcellos recorre ao registro de uma câmera analógica, que aponta o que uma irmã caçula entende do dilema que sua irmã mais velha vive. Em um dado momento, colocar a câmera no chão e deixar o espectador tão próximo do acolhimento, visto por meio do gesto de um abraço, nos sensibiliza diante da fragilidade de um corpo e uma mente que não apenas sofre dores físicas, mas também uma pessoa emocional, social e moral. Vemos ali dois corpos femininos passando por processos dolorosos de amadurecimento, ao mesmo tempo que uma relação de sororidade é firmada. O olhar voyeur invade o espaço não permitido justificando o título do filme, bem como a dinâmica de não conhecia a complexidade das lutas diárias de cada um. 

IV 

Chegar bem com saúde ao fim da vida é algo que nem todas as pessoas podem desfrutar. Corpos dissidentes são corpos em que a vida muitas vezes é ceifada brevemente. Em Cavalo Marinho, Leo Tabosa, ao reconstruir o imaginário, por meio da relação paternidade-maternidade oferece a suas personagens sobrevidas. Em meio a belíssima direção de fotografia de Petrus Cariry, as bandeiras coloridas e os fogos de São João funcionam como ponto de partida para novas formas de se enxergar o mundo, bem como afirmação de que sua existência é válida. Francisca é uma figura robusta do que significa amor de mãe e de pai. 

Como definir o que é um crime? Como definir quem é um criminoso? Por meio de um crime Amanda se torna livre. E sem arrependimentos, mas muita disposição para contar sua história, Amanda nos confronta com a crueldade dos relacionamentos abusivos e da revitimização de pessoas que são desacreditadas ao relatar o que sofreram. Dênia Cruz opta por não mostrar o rosto de Amanda ao longo de Liberdade Sem Conduta. O efeito não visa uma ideia de anonimato e privacidade da protagonista, mas sim expandir a ideia de que aquela mulher que não é mostrada pode ser qualquer mulher em qualquer canto do mundo. Amanda é o corpo, a voz, o pensamento, o perdão, o conhecimento, a força, o medo, a dor, daquelas que se encontram no sistema carcerário seja ele afetivo, ou de privação de liberdade. Amanda contradiz o imaginário que coloca apenas pessoas racializadas em situações de vulnerabilidade. Ser livre sem conduta foi a forma encontrada por uma jovem para contrariar as estatísticas. 

VI

A melhor mãe do mundo é aquela que possibilita por meio do imaginário a redução das dores do mundo sobre seus filhos. Em A Vida é Bela e Projeto Florida vemos Guido (Roberto Benigni) e Halley (Bria Vinaite) fazendo isso por seus filhos.

VII

Shirley Cruz possui profundo domínio sobre seu corpo e seus gestos de tal forma que enlouquecemos juntos de Gal a cada empecilho que a protagonista encontra em seu caminho. Ainda que existam idas e vindas, o importante é caminhar para frente. A personagem se coloca em constante movimento e talvez seja esse movimento que a mantém ativa e salva. Mas qual o custo de tanto sofrimento? As fronteiras entre o delírio, o medo e a dura realidade poderiam ter sido mais borradas, assim como a tentativa de reconstrução da realidade que a mãe proporciona para minimizar o impacto da vida real nos filhos, senti falta de enxergar um pouco mais do processo pelo olhar das duas crianças que são tão importantes para que a protagonista não desista.

VIII

Ainda me incomoda profundamente como roteiros de produções brasileiras insistem em manter personagens masculinos negros em lugares de violência, ausência de sentimentos, sexualidade animalesca e aflorada, agressividade, tirando a possibilidade da construção de figuras mais complexas mesmo que elas não sejam protagonistas da história que vem sendo contada.

IX

Em oposição a falta de complexidade da personagem masculina, a ambiguidade presente em Val transforma a protagonista em alguém que coloca nossos pré julgamentos em xeque: saber da traição não impede que ela se mantenha no relacionamento, mas gera nela reação de mudar um hábito alimentar ou a mão que afaga e acolhe é a mesma que bate. 

X

Sempre lembrar do que Shirley Cruz disse no coletivo não abandonar nossas crianças e jovens – principalmente as que compõem minorias sociais – que têm um futuro promissor no audiovisual. Não pensar nisso como um ato de caridade, mas um gesto de respeito e valorização de sua capacidade artística e intelectual. 

Artista visual, desenhista, graduanda em Letras - Tecnologias da Edição. Membro Abraccine, votante do Globo de Ouro (Golden Globe Awards). Pesquisadora de cinema, principalmente do gênero fantástico, bem como representação e representatividade de pessoas negras no cinema. Devota da santíssima trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch.

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