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Entrevista com Roberta Ribas e Gustavo Machado, de A Voz que Resta

Em A Voz Que Resta, a dupla de diretores Roberta Ribas e Gustavo Machado coloca na tela um ambiente de pura claustrofobia. O cenário é um apartamento e o texto é um monólogo carregado de ânsia, desespero e, por vezes, até torpor. Os diretores também são os únicos atores em cena: Gustavo é Paulo, que conduz a história praticamente sozinho, com visões da mulher por quem está obcecado, a vizinha, Marina, interpretada por Roberta.

O drama carregado nas tintas azuis e vermelhas é uma adaptação da peça do autor e tradutor Vadim Nikitin. Na obra original, a mulher existe, mas não aparece. Essa foi uma das diferenças que o filme trouxe nesse processo que a diretora define como uma “transposição”, com inspirações no cinema de Arnaldo Jabor, sobretudo nos títulos Eu Sei Que Vou Te Amar (referenciado em um dos objetos de cena) e Eu Te Amo. Em entrevista ao Feito Por Elas, ela e Gustavo citam, ainda, Persona, de Ingmar Bergman, A Voz Humana, curta de Pedro Almodóvar, Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima, e Closer, de Mike Nichols.

“A nossa adaptação foi escolher em que ‘mini-set’ desse ‘set macro’, desse apartamento, dessa sala, a gente colocaria cada trecho de texto. Onde colocar respiros, transições. E com que cenário de objetos, porque na peça basicamente não tem cenário, então decidimos quais objetos a gente colocaria junto para ajudar a contar essa história”, conta Roberta. “É, sim, um aprofundamento da linguagem. A intimidade que a câmera tem com o ator e o som permite que vá mais fundo. Então toda a linguagem cinematográfica é a favor disso, de a gente brincar de achar esse ponto certo. Como é que a Marina se revela, e ao mesmo tempo mantém-se oculta, mantém-se inatingível, mantém-se inefável. É uma personagem que o cara não consegue entender ela, na verdade”, acrescenta Gustavo.

Roberta aponta que outro elemento fundamental nesse trabalho é o olhar que ele oferece por meio da câmera que Paulo usa para se filmar. Ao mesmo tempo, participar da trama também como atriz foi um desafio para a realizadora. “A gente inicialmente ia chamar uma atriz, mas a gente estava tão dentro do filme, que a gente achou que a melhor opção seria eu fazer”, revela a diretora, que também aproveita para explicar por que a vizinha tem aparições turvas no filme.

A gente não quis personificar a Marina inteira. São fragmentos de Marina. Então a gente põe um olho, uma boca, uma mão, mas a gente precisava colocar essa memória, porque o público precisava se apaixonar pela Marina, porque é diferente você, no cinema, você ficar falando, a pessoa imaginar, mas não ver. O cinema é extremamente visual, então a gente precisava colocar alguma imagem dela para a pessoa entender por que ele amou tanto, ama tanto essa mulher. E aí esses fragmentos na cabeça do espectador formariam essa mulher inteira”, resume.

O grito desesperado de Paulo pela mulher que não lhe dá a atenção que ele gostaria é o ponto de partida para uma história que, como as inspirações já citadas pelos diretores, tem o centro nas complexidades das relações humanas. Para Gustavo e Roberta, o tema se reinventa no cinema e sempre rende bons filmes porque tem um ponto de identificação básica com qualquer pessoa, definido de forma direta pelo diretor e ator.

“É atemporal porque o ser humano sempre está apaixonado, sempre está sofrendo e enfim, está envolvido com algum tipo de paixão e sobretudo a paixão amorosa, a paixão sensual. diferente de um filme de entretenimento que é muito em voga, que a maioria das pessoas é acostumada, que pega você pela mão e já te bota num carro, já bota uma derrapagem, já bota uma trilha e vai te conduzindo e você não tem que fazer tanto esforço. [A Voz que Resta] é uma espécie de fundo de mar. É uma espécie de mergulho no fundo. Então, essa coisa do mergulhar, tem um primeiro momento que a pressão muda, dá uma irritação, dá uma loucura e tal. Você vai, vai, vai, mas quando você persiste, vai mergulhando, se permite ir e ser levado para o fundo, começa a maravilha acontecer”, conclui.

Jornalista amazonense que atua desde 2014 na crítica de cinema

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