Entrevistas

Entrevista com Sara Silveira, produtora de Todos os Mortos

Sara Silveira é hoje inegavelmente um dos maiores nomes na produção de cinema no Brasil. Com mais de cinquenta filmes no currículo, é uma das criadoras, junto com Carlos Reichenbach, da Dezenove Som e Imagens. A produtora tem como parceria Maria Ionesco, executiva que produziu, também todos os filmes que por lá passaram nesses quase trinta anos de estrada.

Hoje Sara é a responsável por Todos os Mortos, dirigido por Marco Dutra e Caetano Gotardo, que foi selecionado para o competição oficial do Festival de Berlim, que começa no dia 20 de fevereiro e vai até 1º de março. O filme acompanha duas famílias brasileiras 11 anos após o fim da escravatura, na cidade de São Paulo. A equipe, majoritariamente feminina, conta com fotografia de Hélène Louvart, direção de arte de Juliana Lobo e montagem da dupla de diretores em parceria com Juliana Rojas. A estreia no festival será no domingo, dia 23 de fevereiro e o trabalho de Sara Silveira foi essencial para que o filme chegasse lá. Conversamos com a produtora por e-mail sobre o fato.

Você é dos nomes mais conhecidos da produção no Brasil. Como você decidiu trabalhar nessa área?

SARA: Desde muito jovem quis fazer cinema, por conta de ter um primo gerente do Cinema Avenida, na cidade de Porto Alegre, onde nossos pais levavam-nos para ter uma ocupação e entretenimento mais longo. Desde então, cinema fez parte dos meus pensamentos. Depois de formada em Ciências Jurídicas, decidi partir para a área cinematográfica, onde comecei em 1983.

A Lei do Audiovisual foi um dos eventos mais importantes para a produção do nosso cinema e ainda estamos lutando para a sua manutenção, como também da manutenção da nossa Agência

A sua produtora, Dezenove Som e Imagens, criada junto com Carlos Reichenbach, está para completar 30 anos. Conte qual a sua percepção sobre as mudanças no cinema brasileiro e na sua profissão nesse período.

SARA: As mudanças são muitas. O cinema é mutante o tempo inteiro. Tivemos uma fase áurea da Ancine quando do estabelecimento da Ancine e da Lei do Audiovisual, que nos trouxe até o final de 2018, demonstrando o grande crescimento que tivemos no setor, em função do apoio institucional para a área, através da criação de um imposto do próprio setor, que alimentou as nossas produções. Hoje estamos em uma quadro bem mais difícil, pois não temos mais incentivos, nosso setor está praticamente parado, estagnado, aguardando eternamente por decisões governamentais para que o mesmo possa subsistir e prosseguir com o trabalho. A Lei do Audiovisual foi um dos eventos mais importantes para a produção do nosso cinema e ainda estamos lutando para a sua manutenção, como também da manutenção da nossa Agência, que geriu todos esses projetos ao largo dos 20 anos de lei. O momento agora é diferente, difícil, obscuro, mas estamos resistindo com os nossos filmes, incentivados em governos anteriores ao atual.

Uma boa história é sempre o melhor filme.

O que a atrai para produzir os filmes com os quais você trabalha? Você tem critérios específicos?

SARA: Não tenho critério específico nenhum. Gostamos de cinema e boas histórias. Nosso cinema é independente, embora “dependa” da nossa Lei do Audiovisual, mas todo e qualquer país necessita deste suporte para que suas diversidades e artes sejam mostradas. O cinema independente tem se mostrado muito forte, chegando em todos os festivais internacionais e levando o Brasil às telas do mundo. Uma boa história é sempre o melhor filme.

Temos uma perfeita sintonia entre nós, acreditamos no cinema que fazemos. E na diversidade do nosso país. Cinema também é educação.

Você já havia trabalhado anteriormente tanto com Caetano Gotardo como com Marco Dutra. Agora ambos dirigiram juntos Todos os Mortos. Como você vê essa parceria entre os dois na direção e como percebe a expressão do particular de cada um no filme?

SARA: Temos uma relação muito forte com os dois diretores, Caetano e Marco, e mais a diretora e montadora Juliana Rojas. Juntos temos feito vários filmes, em duplas, ou separadamente. E somos um grupo que nos acreditamos, desenvolvemos um cinema independente e mais reflexivo, passando pelo fantástico e com esses três diretores temos feito histórias no cinema nacional e internacional. Tivemos o As Boas Maneiras, com Juliana Rojas e Marco Dutra, agora o Todos os Mortos, com Caetano Gotardo e Marco, e a seguir, um filme solo de Juliana Rojas, que está previsto para filmar em Junho. Fora os curtas metragens que já fizemos com os três, já produzimos com Juliana e Marco, o Trabalhar Cansa, e solo com Caetano, o lindo O Que se Move. Temos uma perfeita sintonia entre nós, acreditamos no cinema que fazemos. E na diversidade do nosso país. Cinema também é educação.

Você consegue inserir os filmes que produz em uma gama interessante de festivais nacionais e internacionais. Como foi o trabalho de levar Todos os Mortos para o Festival de Berlim?

SARA: Temos já realizado um trabalho na área internacional já há mais de 20 anos, pois a coprodução colabora em muito para a realização dos nossos filmes, além de nos dar o status internacional para a chegada nesses festivais. É um trabalho incessante em mais de 20 anos de mercado, lutando por coproduções e vendedores para os nossos filmes. Após tantos anos de trabalho, colhemos alguns frutos e um dos bons resultados é o filme Todos os Mortos concorrendo ao Urso de Ouro. Além do que, formamos um network dentro do setor, onde mantemos uma comunicação internacional, objetivando encontrar estes parceiros internacionais para se juntarem a nós. Esta comunhão de produtores e ações dão uma solidez ao nosso trabalho, e esta solidez nos leva ao objetivo final, que são as competições dos grandes festivais. É um trabalho difícil e árduo, que deve se levar muito a sério e com muita honestidade, para mantermos a nossa rede de contatos e a nossa rede de aportes financeiros institucionais e privados.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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