Entrevista | Guillermo Del Toro, Oscar Isaac e Jacob Elordi, de Frankenstein (2025)
Nesse ciclo de entrevistas pré-Globo de Ouro, o que eu mais queria era ter a oportunidade de fazer uma pergunta específica para Guillermo Del Toro. Para mim, o cinema dele mudou muito depois que assisti a O Espírito da Colmeia (El Espíritu de La Colmena, 1973), filme do espanhol Víctor Erice. E, com Del Toro lançando, enfim, o seu Frankenstein (2025), essa seria a chance perfeita para falar sobre esses dois filmes. E deu tudo certo, porque, há alguns dias, pude participar de duas roundtables virtuais organizadas pela Netflix, uma com Del Toro e o ator Jacob Elordi, que interpreta a Criatura, e outra com Oscar Isaac, o Victor Frankenstein da vez.
Os desafios de se adaptar a obra de Mary Shelley e como Del Toro ligou a história às suas raízes concentraram boa parte das perguntas na primeira coletiva, enquanto que, na segunda, vimos Oscar falar bastante de sua relação com o diretor e de como ele também consegue se conectar pessoalmente com o filme. Abaixo, alguns trechos da coletiva:
Camila Henriques: Quando eu assisti a O Espírito da Colmeia, de Victor Erice, eu pensei muito que esse deve ter sido um filme que te inspirou. Quando eu vi Frankenstein, eu associei: Guillermo era a personagem da Ana Torrent quando criança. Como a sua infância influenciou essa versão de Frankenstein?
Guillermo Del Toro: Os dois filmes que me formaram foram Frankenstein (1931) e O Espírito da Colmeia. Aquilo [do filme do Erice] aconteceu comigo. Eu era Ana Torrent. Quando eu vi Frankenstein pela primeira vez, eu fiquei como ela. [O filme] consumiu a minha vida e a minha imaginação completamente, me formou como pessoa. E Ana Torrent tem algo que eu tento captar nas crianças dos meus filmes, que é a forma como elas veem o mundo. Ela tem os olhos mais incríveis que eu já vi no cinema, talvez comparáveis apenas a Chaplin. Poucos atores têm aqueles olhos. Ela estava maravilhada com o mundo. Foi um filme de formação, porque eu me vi naquela criança. E eu tento colocar [esse maravilhamento] em todos os meus filmes que tenham uma criança que entra em contato com monstros, como O Labirinto do Fauno (2006) e A Espinha do Diabo (2001).

Camila Henriques: Ao longo da sua carreira, você interpretou personagens trágicos em adaptações de obras literárias, como Hamlet, o duque Leto e agora o Victor Frankenstein. O que te atrai nesses personagens?
Oscar Isaac: Eu cresci cercado de muita intensidade. Muitas histórias intensas, histórias de tragédia, sabe? E isso certamente alimenta um pouco [dessa busca por esses personagens]. Mas eu também amo a linguagem. Eu me interessei por Harold Pinter quando eu era bem jovem, e a forma como ele usa a linguagem é tão assustadora e tão enxuta, como a ponta visível de enormes icebergs sombrios. E, claro, [eu me interessei por] Shakespeare. Eu me apaixonei pela musicalidade da linguagem. E esses personagens que vêm da literatura têm esse DNA porque eles [nascem] das palavras. Eu vejo algo bem interessante no ritual performático de histórias e personagens que têm elementos arquetípicos que os tornam atemporais, que pode soar como se viesse de mil anos atrás, ou de duzentos, ou até de duzentos anos no futuro. Há neles algo que é, de certo modo… essencial, não sei, um componente espiritual. Esse mistério realmente me intriga, e acho que encontro isso nesses personagens trágicos.
Pergunta: Guillermo, os anjos são presenças recorrentes na sua obra. No seu filme, como esse elemento se liga ao dilema moral de Victor Frankenstein?
Guillermo: Primeiramente, eu era devoto dos anjos quando criança. A oração que Victor faz para o anjo dele é a mesma que eu fazia quando criança – “Angelito de la guardia, mi dulce compañía, no me desampares ni de noche ni de día”. Eu fazia essa prece toda noite antes de dormir. Eu rezava pedindo orientação. Mas, [no caso do filme], a ideia é que o Victor se tornou devoto de uma promessa que veio após a morte da mãe dele, que é simbolizada pelo vermelho. Era a cor que a mãe dele usava, e a cor das luvas e da busca dele. Da forma que usamos [a cor] no filme, é como se ele estivesse servindo à vida. E, no final do filme, o anjo mostra que ele estava servindo à morte. Ele estava em uma busca errada. [A mãe dele] e ele usam vermelho. Ela tem um Rosário. Ela tem uma cruz no peito. Mas eles são muito diferentes. [Ela] seguiu a ordem natural da vida. Victor seguia algo distorcido.
Pergunta: Uma das minhas sequências favoritas é quando a Criatura vai à fazenda e aprende a falar com um personagem cego. O quão importante é para você usar o poder das palavras, não apenas no cinema, como fora dele?
Guillermo: Isso é algo que não havia sido muito explorado em outras adaptações de Frankenstein, pelo menos não dessa maneira. Eu queria que fosse quase como uma passagem de um conto de fadas. Ao mesmo tempo, é muito bíblico. Quando Adão e Eva existem na graça de Deus, eles vão até a Árvore do Conhecimento e comem a maçã, e aprendem palavras e aprendem conceitos. E é isso que os leva a cair do paraíso. [A criatura aprende a falar] e com as palavras [que ela fala] vem os conceitos. Com os conceitos surge o senso de si. Com o senso de si vêm as perguntas, a dúvida e a dor. E, no fim, ele se entrega novamente à graça de Deus, que é o sol. E quando a Deus, eu não me refiro ao Deus católico. Eu sou um católico não praticante. As palavras são muito importantes pra mim. Essa é minha segunda língua, e a maioria dos diálogos do filme é novo. Mas eles precisavam ter a musicalidade do diálogo escrito por Mary Shelley. Eu adoro que a Criatura aprende a língua inglesa pelos livros. A maneira como ele fala é a maneira que ele aprendeu nos livros que o homem lia para ele. As palavras são muito importantes. A Criatura precisa de apenas três palavras para entender o mundo: Victor, Elizabeth e “amigo”. É isso. Esse é o mundo dele. E quanto mais palavras ele aprende, mais dor ele conhece. E então ele precisa se recuperar dessa dor entregando-se novamente à graça. É parte da jornada. É algo tão importante que é uma das coisas que mais me desafiaram no roteiro.

Pergunta: Jacob, fale sobre a fisicalidade do personagem, com tudo o que você propõe e constrói com a Criatura desde o início, e como isso evolui até a relação [com Victor].
Jacob Elordi: Como não há diálogo no começo, é importante falar com o trabalho físico. Guillermo teve a ideia de me fazer estudar Butoh, que é essa dança japonesa da morte. É meio que sobre reanimar um cadáver. E, com [a dança], você aprende a transitar pelas emoções em um piscar de olhos. Quando o personagem finalmente fala e diz o nome do Victor, eu queria captar todo sentimento em apenas uma palavra.
Pergunta: Como você se identificou com a humanidade da Criatura?
Jacob: A humanidade é o meu ponto de identificação. A ideia do que é a humanidade, do que significa ser humano e da vontade de ser humano nesse mundo que não é muito humano. Foi nesse funil que eu entrei para compor a Criatura, que o Guillermo chamou de Adão. Ele é o primeiro homem, o primeiro humano.
Pergunta: Sempre se fala sobre o criador e a Criatura, mas acho que o Del Toro faz algo interessante ao trabalhar essa relação como uma dinâmica de pai e filho. O seu personagem tem problemas com o próprio pai e, de certa forma, ele acaba reproduzindo isso com a Criatura, o ‘filho’. Fale um pouco sobre isso.
Oscar: Não é algo tão simples pra mim. Partindo de experiências minhas e de amigos com quem conversei, há esse sentimento de não querer repetir o que nossos pais fizeram, mas acabar fazendo a mesma coisa. Há quase uma ironia na maneira como os humanos simplesmente caem nesses padrões deterministas, repetindo ciclos e sendo completamente displicentes a eles. O Guillermo é quase um diretor taoísta. Ele é um artista taoísta, sabe? Porque ele consegue recuar e observar esses ciclos de desejo em que as pessoas ficam presas. Seja o desejo de provar algo ao pai, o desejo de receber amor do pai, ou qualquer número de coisas desse tipo. Guillermo e eu conversamos sobre nossos pais e dessa conversa nasceu a nossa colaboração em Frankenstein. Eu lembro que, quando estávamos filmando a última cena, eu tentei algumas vezes cortar algumas falas porque eu achei que era muita coisa e ele disse “Não, o seu pai está vivo, Oscar. O meu não está mais. Eu preciso dizer essas coisas pra ele”. Foi uma forma de explorar tudo o que ele passou com o pai dele, e foi o mesmo comigo.
Pergunta: Te assistir no filme é como ver o Del Toro, porque ele, como cineasta, é criador de um monstro e está em busca da eternidade. Ele é a voz dos monstros no cinema e você faz isso em cena. Como você vê isso?
Oscar: E, na forma como o Guillermo abordou o filme, ele também seguiu o exemplo da Mary Shelley. Porque Frankenstein, da Mary Shelley, é uma autobiografia refratada por monstros, pelo sobrenatural e por todas essas coisas. Mas fala sobre a própria vida dela, sobre seus abortos espontâneos, sobre a mãe que morreu e sobre esse pai sempre à espreita. Guillermo criou o Frankenstein dele dessa forma e me encorajou a seguir essa linha. É claro que há paralelos. Ele costuma brincar que Victor é como um diretor de cinema, a Criatura é o filme e Harlander é o estúdio, o financiador. [Mas] eu nunca abordei o personagem como se ele fosse Guillermo. Ele é Victor, [mas] também é a Criatura e é Elizabeth. Pra mim, Victor também é a Criatura.
Frankenstein está disponível em streaming na Netflix.
Agradeço à Netflix pela oportunidade de entrevista, realizada em ambiente virtual e editada visando melhor clareza.


