Críticas e indicações

Immortality

A atriz Marissa Marcel fez 3 filmes: Ambrosio, em 1968; Minsky, em 1970 e Two of Everything, em 1999. Nenhum deles foi lançado e ela desapareceu. Onde está Marissa Marcel? Essa é a premissa do jogo Immortality, lançado em 2022, que me deixou completamente fisgada.

O jogo atrai quem gosta cinema por meio de toda a construção que faz de ambientes, narrativas (e narrativas dentro das narrativas) e referências. Ambrosio é adaptado de um romance gótico real, escrito por Matthew Lewis em 1796. O cartaz remete ao de Anatomia de um Crime (1959) criado por Saul Bass. O filme dentro do jogo, por sua vez, se ambienta em um monastério com ares de Narciso Negro (1947), com cenários vívidos e pinturas matte, e a personagem de Marissa finge ser um jovem padre e inicia um relacionamento com outro religioso. O diretor é fisicamente semelhante a Hitchcock e trata os atores como peões no tabuleiro que é sua obra de arte, além de expressar casual sexismo.

Minsky, por sua vez, é uma história policial, filme de estreia na direção do diretor de fotografia de Ambrosio. Marissa, agora com os cabelos de Jane Fonda em Klute (1971) é uma escultora que também foi amante e musa de um artista que foi assassinado. A história, que se passa majoritariamente em um amplo estúdio, povoado de jovens artistas, tem toques de Andy Warhol. Principal suspeita do crime, a personagem de Marissa se envolve com o policial que está investigando o caso. Ele, por sua vez, é interpretado por um jovem ator consagrado parecido com um Clint Eastwood, que vem dos épicos históricos e está pouco acostumado com os filmes da Nova Hollywood. Hesita, por exemplo, ao falar palavrão em cena.

Passado tanto tempo, Two of Everything é um filme inacabado sobre uma pop star e sua dublê. Quando a sósia é assassinada enquanto interpretava a famosa, a cantora fica presa à identidade da outra. A pobreza dos cenários e das perucas, a esterilidade da captura de movimentos usada para os efeitos visuais, tudo aponta para uma nova forma de fazer cinema.

Para quem gosta de cinema, cada detalhe é um prato cheio. Ele é dirigido por Sam Barlow e escrito por ele em parceria com Barry Gifford (roteirista dos filmes Coração Selvagem e Estrada Perdida de David Lynch), Amelia Gray (dos seriados Maniac e Mr. Robot) e Allan Scott (veterano cujo trabalho vai do roteiro de Inverno de Sangue em Veneza à criação do seriado Gambito da Rainha). O jogo apresenta uma série de vídeos: entrevistas com os atores durante as divulgações dos filmes, as audições para escalar cada papel, as leituras dos roteiros e os ensaios preparatórios e, por fim, os bastidores e as cenas dos próprios filmes, que foram filmados em sua integridade. Inclusive cada um deles está cadastrado no IMDb individualmente e lá é possível ver quem são os responsáveis por cada etapa da produção verdadeira e ficcional. Em entrevistas, diz-se que são cerca de sete horas e meia de filmagem colocadas no jogo e tudo isso foi registrado em cerca de três meses.

A jogabilidade é muito simples: a história começa em uma entrevista de Marissa Marcel em um talk show. Você clica em personagens ou objetos cênicos e essa ação leva a outra cena com aquele elemento em comum, e assim por diante. Dessa forma, cada pessoa vai fazer seu próprio trajeto pelas cenas, a depender dos elementos que lhe chamarem mais atenção. Como o jogo se apresenta como uma espécie de moviola, você pode acelerar as imagens ou vê-las em câmera lenta, bem como pode vê-las de trás para frente. E aí é que os mistérios começam a ser solucionados, não sem antes despertarem ainda mais dúvidas. Sim, é um jogo de assistir filme.

As atuações são ótimas. Manon Gage, em especial, que dá vida à protagonista, ganhou o prêmio de melhor performance no Golden Joystick Award e de Melhor Atuação em um Jogo no New York Game Awards. A vitalidade que imprime à personagem é impressionante. Mas cada atriz e ator nos convencem que são ainda outra atriz ou outro ator dando vida aos seus personagens, em uma encenação de camadas. O caminho que a história percorre, bem como o processo de buscar respostas e a descoberta do aguardado desfecho compõem uma história linda, triste, perturbadora e maravilhosa. Uma experiência audiovisual não só interessante, como rara em sua intensidade.

Bônus: o diretor fez uma lista no Letterboxd com os filmes que foram inspiração de diversas maneiras para a criação do jogo: boxd.it/7E2Jc


O jogo está disponível para compra para Windows e Xbox Series X/S e gratuitamente para Android e iOS por meio do aplicativo Netflix.

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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