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Tendaberry (2025)

Em imagens que misturam um olhar documental, pela urgência do registro do instante verdadeiro nas ruas e praias estadunidenses, e a ânsia de afinar as bordas da trama de ficção, pelo realismo social, Haley Elizabeth Anderson faz sua estreia na direção de longas com Tendaberry. Na agitação do Brooklyn pós-pandêmico, entre as ruas do bairro e o parque em Coney Island, entre filmagens antigas com a narração reflexiva da protagonista e a câmera que a acompanha no momento presente, o filme encontra a imagem de Dakota (Kota Johan) apaixonadamente próxima de Yuri (Yuri Pleskun), em um fluxo que demonstra a instabilidade de suas vidas, da juventude e do período. Com 23 anos, a garota que queria ser cantora ganha alguns trocados no metrô com sua voz, bate ponto em seu emprego no mercadinho local e é despreocupada com as dificuldades, muito mais focada em uma felicidade clichê ao lado do namorado, com quem mora em um amplo apartamento que está quase sempre com o aquecimento quebrado.

Quando Yuri decide voltar para a Ucrânia para cuidar de seu pai, Dakota passa a viver sozinha e, de repente, o emprego passa a ser mais irritante, usar o forno do fogão para se esquentar no frio já não é mais tão romântico e os problemas passam a se empilhar, o sonho americano frustrado dá as caras quando o romance vai embora. As ligações por vídeo, que talvez já tinham ficado para trás na vida real pós-pandemia, se tornam a única forma dos jovens amantes se comunicarem e, inclusive, dar a notícia de uma gravidez inesperada. Anderson divide seu filme pelas quatro estações do ano, sempre usando uma narração bastante pensativa de Dakota sobre a impermanência do tempo e suas angústias em relação ao mundo. Em muitas cenas, são usadas imagens antigas e reais do videógrafo americano Nelson Sullivan, que narrava sua vivência em Manhattan. 

A cineasta faz essa ponte entre si mesma e seu trabalho, com o registro de milhares de horas de Sullivan, por meio de Dakota. Tendaberry, no entanto, está longe de ser autêntico. Sua visão de realismo social está extremamente impregnada pelo cinema indie nova-iorquino, justamente onde Anderson se formou, e, um pouco mais longe, cheia de influências da fantástica Andrea Arnold, mas sem atingir uma voz própria que assuma essas referências e as dê uma assinatura ou uma nova perspectiva. Enquanto a pessoa espectadora escuta Dakota poeticamente pensar sobre a vida e o mundo ao seu redor, procurar um novo apartamento ainda menor, trocar de emprego e passar dificuldades financeiras, é possível associar o longa, da fotografia à atuação dos personagens, a dezenas de outras obras muito similares.

Anderson, que também assina o roteiro, apresenta certo fascínio por captar o instante, o segundo em que a câmera torna imortal algo que já se foi, e isso se traduz também no desenvolvimento da trama. A ida de Yuri para a Ucrânia, por exemplo, se dá no estopim da guerra e, assim, Dakota acompanha por televisores o que acontece com muita incerteza do futuro imediato. Em pouco tempo o namorado desaparece de cena, mas Tendaberry concentra-se em acompanhar a protagonista em suas ações cotidianas, apenas tentando captar as nuances dentro de sua rotina, para compreender como ela reage emocionalmente a tudo. Excluindo as narrações entre estações, o longa não é lugar de cumplicidade de Dakota, mas de registro de seus passos e perrengues.

Com ascendência dominicana e como mulher negra, a protagonista de Tendaberry é também retratada em sua jornada de pertencimento na sociedade estadunidense. O clichê do retorno para casa se dá como um dos últimos recursos nessa construção, porém também há o esforço de encontrar grupos em que ela consiga se sentir acolhida. Anderson, embora trabalhe um material bastante humano, cria diversas barreiras para que a proximidade não seja atingida totalmente e seu longa esteja sempre fluindo, principalmente enquanto exercício de câmera que experimenta em diversas maneiras, por questões mais práticas. É como se essa rotina de cidade grande, na enorme potência econômica mundial, obrigasse a mulher jovem a engatar uma marcha sem muito tempo para sentir ou pensar, enquanto a obra, ao mesmo tempo, buscasse tornar esse processo mais poético em sua forma. Então pintar e mudar o cabelo algumas vezes, um clássico feminino do desespero, saídas com amigos e transições em empregos informais, são ferramentas tanto para compreender o contexto social de Dakota, quanto para adentrar seu emocional.

Em diversos momentos as cenas alternam exercícios estéticos que tentam captar essa inconstância do tempo e da vivência na cidade, mas, novamente, tudo é bastante comum e similar a trabalhos em contextos parecidos, com histórias também parecidas. Tanto quanto Tendaberry é um filme sobre uma jovem mulher tentando encontrar seu lugar no mundo em que está, Anderson o faz em busca de sua própria visão como cineasta, e embora suas raízes cinematográficas sejam promissoras, ainda está muito atrelada a espelhar referências ao invés de as usar para se achar.

Crítica de Cinema e formada em Rádio e TV. Apaixonada pela sétima arte desde sempre, trabalhando com marketing para pagar as contas e assistindo a filmes para viver.

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