
“Tudo é surpreendente na Rita Lee” – Entrevista com Oswaldo Santana, diretor de Ritas
Uma das últimas entrevistas em vida de Rita Lee agora ganha as telas de cinema com o documentário Ritas, de Oswaldo Santana e Karen Harley. Depois de ser exibido no festival É Tudo Verdade, o filme foi lançado nos cinemas no dia 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, data que a cantora escolheu como sua nova data de nascimento. Costurado a partir dessa entrevista, concedida a Karen em 2018, o documentário mostra os vários lados de uma mulher que foi hitmaker, frontwoman da banda brasileira mais influente em todo o mundo, atriz, artista plástica, mãe, avó, esposa e, mais que tudo, uma sobrevivente.
O Feito por Elas teve a oportunidade de conversar com Oswaldo Santana sobre o documentário, que foge do tradicional formato das “cabeças falantes” para mostrar Rita pela própria voz dela, seja no depoimento concedido, em imagens inéditas do dia a dia e, claro, nas canções que fazem parte do nosso inconsciente desde sempre.
Camila Henriques: O documentário é em primeira pessoa. A gente ouve a Rita pelas palavras dela, e são palavras dela já na terceira idade, no fim da vida, refletindo sobre tudo. Queria que você falasse como foi esse acesso a ela para gravar o depoimento que a gente vê no filme
Oswaldo Santana: O depoimento foi gravado pela Karen Harley. Como o processo se iniciou em 2018, tiveram várias etapas. Até o início da pandemia, o acesso era maior, então tinham maiores trocas. O que está muito no filme é essa liberdade, essa confiança que nos deram de compartilhar tantas coisas, tanto que teve um momento que ela começou a enviar coisas atuais, que são materiais gravados do celular. A gente teve uma grande entrevista, exclusiva nossa, e materiais dela gravando esses momentos familiares, do dia-a-dia. Ela mandava (os vídeos), e aí chegou o ponto que a gente também deixou um celular com ela.

Camila: Como foi a decisão de ter apenas ela contando a própria história, em vez de seguir no modelo do documentário tradicional?
Oswaldo: Isso foi meio natural, porque a gente partiu da autobiografia dela, né? A Biônica Filmes comprou o direito da autobiografia, e a gente sabe desse potencial, esse jeito único da Rita contar as coisas, trazendo muito deboche, mesmo em um assunto sério, esse poder de comunicação que ela tinha. Foi meio natural a gente chegar nesse formato, da Rita contando a própria história, (que é) algo muito valioso.
Camila: O filme também conta a história da Rita pela obra dela, né? Eu queria saber como é que foi essa seleção das músicas que iam entrar e das imagens de arquivo, e se tem alguma coisa que precisou ficar de fora, que você lamenta?
Oswaldo: Tem muita, muita coisa boa, né? A Rita tem esse poder. (Daí) vão existindo esses recortes, né? Por exemplo, ela teve tantas parcerias importantes, (e isso ajuda) a linkar isso com outras etapas do que pode ser chamado de evolução musical dela. É um processo de garimpagem (no qual) você vai achando os seus ouros e começa a organizá-los. (Pode acontecer) de achar uma outra coisa que nem era tão valiosa pra você, mas passa a ter um valor (para o filme), como, por exemplo, o material da MTV, que ajuda a gente a conduzir tantas facetas diferentes (dela).

Camila: O filme abre com uma animação e a música Luz Del Fuego. Eu fiquei pensando muito em como se relaciona com a história da Rita, né? Foi uma música dos anos 1970, e, como Rita é, de certa forma, uma Luz Del Fuego dessa virada do século XX para o XXI. É uma música muito boa pra apresentar quem ela era pra essa geração que não cresceu com ela. Queria saber como é que tu vê essa função do documentário também, de mostrar a obra da Rita para quem não viveu o sucesso dela?
Oswaldo: Camila, vou te falar uma coisa que, assim, não falei pra ninguém ainda, que é uma história muito legal sobre a escolha da Luz Del Fuego para a abertura do filme. Eu fui o cara que mais lutei contra, nas nossas trocas criativas. Ela tem todo um panorama, tem tudo (sobre a Rita), assim, que pensei que eu queria contar isso ao longo de uma hora e meia, então não quero já abrir o filme com toda a história, mas… Foi uma escolha muito assertiva (a música para iniciar o filme). Então, é engraçado você falar como ela funciona. Muito legal chegar nesse momento que as coisas mudam de valores, né? (Sobre a importância) que esse filme tem pras novas gerações é trazer uma riqueza de memória, de personagens da nossa história, da nossa cultura, e, no caso da Rita, influente em muitos campos. Então, a Rita tem um poder de ter influenciado as mulheres, de ter rompido coisas não só na música. O tanto de barreiras e o tanto de coisas que ela peitou, foi, e com o humor, o deboche, de uma forma tão natural. Então, acho que a importância de você documentar esses personagens da nossa cultura… No caso da Rita Lee, é essa importância sentimental mesmo que a gente tem das músicas. A Rita Lee está presente, sempre vai estar presente. É bem rico essa mistura de gerações que a Rita proporciona. Ela conversa de igual para igual, né? Com o pequenininho, com o grandão, com o bichinho, com o bichão [risos].
Camila: O que te surpreendeu mais sobre ela?
Oswaldo: Foi o lado das artes gráficas que ela fazia. O lado atriz dela é uma delícia, né? É uma delícia você ficar mergulhando, olhando e analisando, e escolhendo, e vendo os trejeitos, e vendo as variações que ela tem do lado atriz. Ela é intensa e de verdade em tudo. Você vai ver o amor dela pelas crianças, pelo Roberto, pelas causas dos bichinhos. Tudo é surpreendente na Rita Lee.


