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[43ª Mostra de São Paulo] Wasp Network (2019)

Esta crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro na cidade.

Havana, 1990. Um piloto de avião, René Gonzales (Edgar Ramírez) despede-se de sua esposa Olga Salanueva (Penelope Cruz), como todos os dias, corta os contatos da torre de controle e toma um avião com que viaja abaixo da linha dos radares até Miami. Lá chegando, afirma que em Cuba tudo falta: eletricidade, comida, o básico (mas não menciona que isso acontece apenas em virtude do embargo imposto pelos Estados Unidos). Ele é rapidamente abordado pela chamada Fundação Nacional Cubano-Americana, que em tese se propõe ajudar cubanos que queiram sair do país. A entidade lhe oferece um emprego que consiste em sobrevoar os mares e, caso aviste algum bote, passar as coordenadas para que possam ser auxiliados. Já Olga tem que criar a filha sozinha por anos, enquanto ouve reiteradamente que ele é um desertor e traidor da nação.

Pouco tempo depois, Pablo Roque (Wagner Moura), um oficial da aeronáutica do país, separa alguns documentos e nada de Caimanera até a base militar estadunidense na baía de Guantánamo. Afirma aos oficiais do local que cansou da escassez de comida e é presenteado com um hambúrguer do MCDonalds. Rapidamente se torna famoso e amigo de René. Pergunta a um primo que já mora em Miami se ele quer entregar pizza ou enriquecer, sem dar conta de que, nesse contexto, alguém teria que entregar pizza e esse não é um trabalho bem remunerado naquela terra.

Wasp Network (Rede Vespe, em livre tradução) escrito e dirigido por Olivier Assayas, conta a história real desses e outros dissidentes cubanos, relatada no livro Os Últimos Soldados da Guerra Fria, de Fernando Morais, de onde foi adaptado. Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2019, ele se destaca pelo elenco de talentos “panamericanos”, na definição do produtor Rodrigo Teixeira. Aos nomes já citados, somam-se Gael García Bernal, Ana de Armas e Leonardo Sbaraglia.

O filme logo revela que não só ajuda humanitária movimentava a FNCA, mas também o tráfico de drogas e as ações terroristas anti-castristas visando enfraquecer a economia cubana e, consequentemente, o governo, para derrubar o regime, que não acreditava-se que sobreviveria tanto tempo ao fim da União Soviética. Além disso, há o trabalho do FBI de recrutar dissidentes para saber o que se passa dentro da comunidade cubana, muito melhor remunerado até mesmo que aquele realizado para o tráfico. Conflitos éticos e ideológicos emergem.

Quando o filme chega à sua metade, acontece uma grande reviravolta em formato de flashback explicando e situando cada um dos personagens. A trama política que até então era bastante simples, embora nem sempre clara, se complexifica no que aparenta ser um elaborado esquema de espionagens de diversos lados. Nem todas as atrizes e todos os atores são aproveitados em pleno potencial, mas o ar setentista e o clima de incerteza, de multiplicidade de lados e interpretações e a ambiguidade do jogo de espiões torna a narrativa ainda mais interessante.

Apesar do tema complexo, Assayas consegue garantir uma certa ambiguidade ideológica, que faz com o filme não seja simplista quando se trata da política que aborda. Mesmo assim é difícil não dar razão a Fidel Castro, que diz, em uma imagem de arquivo utilizada na película que o país mais espionador no mundo acusa o mais espionado.

Nota: 3,5 de 5 estrelas
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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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