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[44ª Mostra de São Paulo] Farewell Amor

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online

Walter (Ntare Guma Mbaho Mwine), um homem angolano, mora nos Estados Unidos há dezessete, em um pequeno apartamento com um só quarto. Agora sua esposa, Esther (Zainab Jah), e sua filha, Sylvia (Jayme Lawson) chegaram ao país para morar com ele depois de todos esses anos afastadas. E os três terão que aprender a conviver e mais que isso, redescobrir quem eles são um para o outro. Farewell Amor (2020), escrito e dirigido por Ekwa Msangi, mostra as mágoas guardadas e os caminhos percorridos para dissipá-las.

Assim que as duas mulheres chegam, a adolescente descobre que não tem um quarto para si: a sala foi fechada com um cortina improvisada para que pudesse utilizá-lo. E seu pai descobre que nesses anos sua esposa se tornou cristã fervorosa. Ela, por sua vez, logo começa a perceber que outra mulher morou ali até há pouco, Linda (Nana Mensah), que foi amante de Walter.

As diferenças culturais, claro, logo irão aparecer. Sylvia precisa passar no detector de metais para entrar na escola e seu pai avisa que esse é um país difícil para pessoas negras, que eles precisam de se comportar de determinados modos para não assustar os brancos.

A religiosidade de Esther e fonte de desacordo. Ela critica uma garrafa de vinho providenciada para comemorar sua chegada, passa os dias rezando, doa dinheiro que faz falta no orçamento de casa para a igreja e proíbe a filha de dançar. Walter conta à Sylvia que ele e Esther dançavam muito quando eram jovens e ele gostava até hoje, o que surpreende a filha, que só conhece a versão mais rigorosa da mãe.

O filme se vale do efeito Rashomon: o montagem separa a história de acordo com os pontos de vista de cada personagem, primeiro Walter, seguido por Sylvia e por fim Esther. Essa última se destaca como a personagem com mais complexa. Poderia ser facilmente caricata em sua religiosidade, mas vamos descobrindo seus medos, sua solidão e a vontade de ser amada.

O filme é repleto de subtramas que poderiam deixá-lo confuso ou superficial: fala-se de migração, guerra, racismo, xenofobia, coming of age, religiosidade, casamento e adultério. Mas as personagens são tão bem construídas em suas características que mergulhar em seus dramas é inevitável. A solução parece vir muito fácil, com a dança levando cada um a sentir e entender um ao outro. Mas Farewell Amor compensa com uma narrativa afetuosa e comovente e personagens humanos.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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