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As Horas (The Hours, 2003)

[AVISO DE GATILHO: CONTEÚDO SENSÍVEL]
Essa não é uma crítica. Transcrição da minha fala do Feito por Elas #114 As Horas publicada originalmente no Letterboxd.

Eu localizei no meu diário quando vi As Horas no cinema, em 6 de março de 2003. O ingresso de estudante custava R$ 2,50 e eu anotei: “Muito poético. Demais o jeito que as 3 histórias paralelas se interligam subjetivamente. Meu candidato para melhor filme no Oscar”.

Eu lembro de ter chorado desesperadamente. Eu não tinha lido nada da Virginia Woolf na época, mas a identificação foi enorme. Eu fui atrás de ler o livro As Horas e de ler Mrs. Dalloway. Eu já não morava mais com meus pais, mas quando meu pai comprou um aparelho de DVD, o primeiro DVD que eu tive na vida foi de As Horas, que por muito tempo foi meu filme preferido.

Nessa época eu escrevia, queria ser escritora e lutava para lidar com minha saúde mental. Eu não acreditava que eu ia conseguir chegar aos 20 anos, de verdade. Eu escrevi sobre isso na minha crítica sobre Elena, da Petra Costa. Às vezes tudo doía, respirar doía. Escrever aplacava a dor mas eu precisava da dor pra escrever: era um ciclo sem fim. A arte doía bom, porque a arte me fazia sentir viva, tanto a que eu fazia e quanto a que eu consumia. No final eu precisei parar de escrever pra poder lidar com a dor, mas era algo que eu amava e precisava, então minha estratégia foi escrever sobre outras coisas (e ai entrou o cinema).

A carta da Virginia no filme diz “olhar a vida na cara, sempre olhar a vida na cara e conhecê-la pelo que é. Sempre os anos, sempre o amor, sempre as horas”. Eu olhei a vida na cara. Eu encarei a vida. Eu cheguei aos 20 e aos 25 e aos 30 e aos 35, um passo de cada vez. Nem sempre foi fácil, mas eu olhei a vida na cara e eu estou aqui e essa foi a escolha certa. Eu continuo amando esse filme. Eu não preciso ser a Virginia Woolf nem preciso mais me ver nela para ter essa conexão com ele. Ele é bom porque ele é uma linda obra de arte. Ele continua tendo 5 estrelas pra mim, porque se não fosse assim, eu estaria traindo meu eu de 17 anos. Mas eu fico feliz que eu estou aqui.

Nota 5 estrelas de 5
Selo "Approved Bechdel Wallace Test"
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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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