[49ª Mostra de São Paulo] Atropia
Esse texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.
Há mais de 25 anos, os Red Hot Chili Peppers já diziam que “o espaço pode ser a fronteira final, mas é construído em um porão de Hollywood”. Se você é jovem demais ou não fez a associação, me refiro a um verso da música Californication, do disco homônimo lançado em 1999 pelo quarteto. A canção tocou incansavelmente na MTV com um clipe (dirigido por Valerie Faris e Jonathan Dayton) que simulava um jogo de videogame. Esse comentário ácido sobre todos os sonhos que podem ser fabricados na Califórnia voltou à minha mente enquanto assistia a Atropia (2025), primeiro longa da diretora e atriz Hailey Gates.
O espaço pode até ter virado a fronteira final lá nos anos 1960, mas, desde então, é em terra firme que os Estados Unidos tentam vencer. O filme de Gates se passa em 2006, durante a invasão do país ao Iraque. O alistamento militar é questão de honra e, para que apenas os mais preparados sejam enviados para “lutar pelo país”, eles passam por um treinamento intenso em uma grande simulação em terras californianas.
Com todo o aparato oferecido por Hollywood (maquiagem, efeitos visuais, direção de arte…), eles passam 24 horas rodeados por atores que interpretam civis iraquianos. No meio desse grupo, uma jovem aspirante a atriz (interpretada por Alia Shawkat) leva as coisas bem mais a sério que os demais, a ponto de perder completamente a noção entre o que é real e o imaginário.
Gates faz uma sátira bem estruturada, principalmente na primeira metade do filme, com críticas aos tropos de Hollywood sobre o militarismo (e personagens que orbitam esse universo, como a repórter que parece uma dublê de Lara Croft do velho testamento) e o sentimento de quem trabalha na indústria sobre como estar ali vale mais do que conhecer o mundo de verdade. A máquina de propaganda de guerra também é ironizada no filme, mas não consegue alcançar a força de um Tropas Estelares (Starship Troopers, 1997).
Quando a narrativa descamba para um romance, há uma perda de ritmo e a obra fica bem cansativa. Também senti que a sátira em cima do militarismo no “porão de Hollywood” não permite que o retrato dos iraquianos vá além da caricatura (o que pode ser lido, também, como reflexo daquele sistema que coloca o Oriente Médio em uma miríade de estereótipos). Mesmo nesses momentos, Shawkat é o destaque, com todos os exageros de uma atriz de método, dignos de uma integrante do elenco de Trovão Tropical (Tropic Thunder, 2008), e uma ambiguidade em suas falas que conseguem enganar a gente em questão de segundos. Ainda que não tenha fôlego para sustentar a ironia e a crítica até o fim, Atropia é um começo promissor para a carreira de Gates como diretora de longas.

Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, Henrique Barbosa, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Marden Machado, Mariana Silveira, Nayara Lopes, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha.


