
[49ª Mostra de São Paulo] Corpo Celeste
Este texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.
Existe todo um cinema contemporâneo latino-americano que ainda lida com as heranças de nossas ditaduras, como No (2012), de Pablo Larraín, Argentina, 1985 (2022), de Santiago Mitre e mesmo o recente sucesso brasileiro Ainda Estou Aqui (2024), de Walter Salles, entre vários outros. Corpo Celeste (Cuerpo Celeste, 2025), escrito e dirigido por Nayra Ilic García, vencedor de uma Menção Especial do Júri no Festival de Tribeca, tenta dialogar com esse tipo de cinema, mas não em alguma medida sem grande êxito.
O filme conta a história da adolescente Celeste (Helen Mrugalski), de quinze anos, que está de férias com os pais, Consuelo (Daniela Ramírez) e Alonso (Néstor Cantillana) em uma praia afastada em uma região desértica no Chile. Junto a eles estão outros amigos de convivência deles, que trabalham com arqueologia. O clima é cálido, Celeste vê a relação dos pais marcada pelo carinho. O que ela não consegue entender é toda a dimensão do trabalho deles. Mesmo de férias, marcam pontos do local, que também é um sítio arqueológico, com fitas vermelhas. Lá encontram ossadas de baleias, dentes de tubarões e outros indícios de que o mar já passou pelas rochas de granito compactadas. É nesse verão que sua vida vai passar por uma grande mudança
Ao longo da narrativa, os televisores e rádios ligados estão sempre sintonizados em noticiários políticos à guisa de alguma contextualização. Enquanto isso, Celeste vive sua história de crescimento como qualquer outra: sofre com luto, se apaixona, se decepciona, se rebela, se apega aos relicários de sua infância e aos marcos daquilo que se foi enquanto sente a dor de crescer. Tudo isso ao mesmo tempo em que a virada de ano para 1990 traz a antecipação das políticas que sequer são citadas no filme, embora fique bastante implícito, como o fim do governo do ditador Augusto Pinochet.
E aí que talvez o filme se perca. Corpo Celeste tenta ser dois filmes e não consegue resolver adequadamente nenhuma de suas partes. Como coming of age não deixa de ter sua beleza singela, mas repete as mesmas histórias já contadas em outros tantos, sem acrescentar algo que lhe destaque entre os demais. Como filme político, sua trama é delineada de forma etérea, ausente de si, fugindo de comentar os temas propostos. A exceção é uma breve sucessão de imagens que aparecem quase como slides no final, dando o peso do momento histórico vivido, mas amarrada de forma desajeitada ao resto da narrativa. E as duas metades tentam um diálogo pouco funcional.
Nayra Ilic García propõe usar o olhar de uma adolescente para um período histórico complexo, mas seu filme acaba dedicando tanto tempo aos dramas da jovem que a busca por esse retrato vira uma nota de rodapé. Corpo Celeste é um experimento narrativo nem de longe feio de olhar, com sua construção de imagens calma e calorosa, mas o resultado é desequilibrado.


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Mariana Silveira, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha

