[49ª Mostra de São Paulo] Labirinto dos Garotos Perdidos
te texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.
O trabalho de Matheus Marchetti já é conhecido dos amantes de cinema de gênero que exploram os festivais brasileiros. Há pouco tempo, seus filmes foram adicionados ao catálogo da Filmicca, que também distribuirá Labirinto dos Garotos Perdidos nos cinemas. É fácil identificar sua voz. Sua autoria está sempre recheada de referências marcantes que não são uma coleção exibida em prateleiras, mas sim muito bem usadas para construir uma identidade própria. Vão do horror ao musical, suas obras são pinceladas pelas cores dos anos 70 e 80, namoram com o giallo e são apaixonadas pela relação com a música e a trilha sonora. Mas, mais do que isso, são filmes com liberdade, feitos de forma independente, porém sem amarras, muito mais preocupados em dar vida às ideias, do que como elas serão recebidas.
Em Labirinto dos Garotos Perdidos, Miguel (Giuliano Garutti) é um garoto que vem do interior para prestar vestibular em São Paulo e se hospeda na casa de um interesse romântico que construiu à distância. Com apenas mensagens trocadas pelo celular e no aplicativo de encontros – que o filme apresenta romanticamente como se fossem cartas enviadas em tempos passados -, a expectativa é que conhecer seu príncipe (Lucas Bocalon) seja o início de algo. De fato é, só não da forma como o protagonista imaginava.
A atmosfera de conto de fadas de Labirinto dos Garotos Perdidos vem muito de dois fatores, a narração envolvente de Tuna Dwek e a ambientação construída nas cenas, que conseguem elaborar uma espécie de floresta encantada em meio ao emaranhado urbano de São Paulo. Entre casarões de pessoas endinheiradas, parques e ruas vazias e escuras, Marchetti desenha um recorte da cidade grande que é, ao mesmo tempo, tanto um espelho da realidade, quanto uma projeção mágica de tudo que acontece, ou pode acontecer, ali. Existe muito verde, enquanto pouco se vê dos grandes prédios que se acumulam na paisagem original, mas o longa não ignora esses fatores, só escolhe os observar de outra maneira.
Após se decepcionar com o encontro tão esperado, Miguel passa a se aventurar em São Paulo, usando seu aplicativo para conhecer outros homens. O personagem desajeitado está longe de ser inexperiente, mas tem certa timidez que dá seu charme. Essa amostra grátis de viver na cidade caótica o leva a esbarrar em todo tipo de excentricidade, pontos que revelam a grande base cômica da obra. O rapaz conhece um garoto constrangedoramente ligado na mãe (vivido pelo próprio diretor), escapa do date com outro que prefere que o sexo envolva um pepino devidamente aquecido no microondas, é chutado deste e acaba no parque com um suicida que sugere uma transa em uma piscina invadida e, após um assalto, chega à festa de natal da prima só para se envolver, sem querer, com o namorado dela, que só chega ao gozo com uma boa chuva dourada no box do banheiro.
A longa noite de Miguel é montada num fluxo que por vezes parece uma semana condensada em cenas consecutivas, ou apenas uma sequência de horas bem fora de controle. Embora a atmosfera mística do conto de fadas nunca deixe o filme, a comédia é que ganha mais espaço aqui. Há, além disso tudo, uma sombra à espreita, do assassino que estaria matando homens gays, uma história tão antiga na realidade que atravessa gerações. Marchetti, no entanto, não se dedica a construir esse mistério como seu primeiro plano, o foco do filme está todo nessa jornada divertida do personagem principal e em como ele encara abertamente sua busca por prazer.
Mesmo que de cara Miguel veja com estranheza as preferências de seus parceiros, ele sempre topa e embarca nas propostas. Não é o amor, afeto ou aceitação que esse jovem do interior está procurando nas ruas romanticamente góticas de São Paulo, mas o contato carnal, o gozo e a satisfação. No entanto, ele sempre é interrompido. Pepinos quebram, namoradas traídas gritam, suicidas tentam se matar, parece inevitável. A essa altura, quem assiste a Labirinto dos Garotos Perdidos não sabe mais que dia é, quantas horas se passaram, se ainda tem vestibular ou como Miguel vai chegar a algum lugar já que a cada encontro algo pior parece acontecer.
A agitação com toda a cara de Depois de Horas vem com tudo e a noite se expande, ilustrando a grande capital por uma perspectiva única, com closes em corpos nus masculinos, suor e gemidos, captando de maneira divertida e curiosa a essência do que é viver em São Paulo, ou ser lançado aqui por acaso, e encarar os perigos e maluquices que a metrópole cinza tem para oferecer. Há também bastante da sensação solitária própria deste lugar na jornada de Miguel, de estar sempre isolado, o que é ilustrado nas ruas vazias e na ideia de encontrar parceiros usando um celular, em encontros individuais, nunca em grupos que se conectam pelos mesmos interesses.
É fácil identificar a influência dos musicais, do giallo, da comédia e outros pedaços do cinema que formam a base da identidade de Marchetti como cineasta, e que levantam Labirinto dos Garotos Perdidos. Porém, é sua identidade própria que se vê no resultado final, que conversa tanto com seus filmes anteriores, das cores aos sons. Este é um longa sobre se aventurar na cidade grande em busca de prazer, e encontrar todo tipo de peculiaridade no caminho, mas não as encarar com rejeição. O que de fato faz Miguel chegar ao gozo é justamente explorar sem amarras, não colocar barreiras no tesão. E isso é algo que Marchetti, e sua equipe, fazem muito bem na sétima arte.


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, Henrique Barbosa, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Marden Machado, Mariana Silveira, Nayara Lopes, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha.

