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[49ª Mostra de São Paulo] Os Bibliotecários

Este texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro.


Dirigido por Kim A. Snyder, devo começar dizendo que Os Bibliotecários (The Librarians) deveria ter o título de As Bibliotecárias. Não só as mulheres predominam na profissão, como todas as figuras retratadas pelo filme são mulheres. Não entendi a tradução do título. Bem, o documentário, como o nome indica, aborda o trabalho das bibliotecárias, especialmente aquelas que trabalham nas escolas públicas nos Estados Unidos. Mas o foco é a recente guerra cultural a que têm sido submetidas, diante da pressão para censura de livros diversos, em especial aqueles que abordam temas relacionados à diversidade sexual, à igualdade de gênero e à luta antirracista. 

O filme é produzido por canais públicos de televisão, então possui aquele tipo de linguagem documental que costuma estar relacionado a esse tipo de programação: algumas filmagens in loco, infográficos, cabeças falantes, imagens de arquivo, montadas em linguagem de reportagem. Mas o tema é tão urgente e as escolhas de protagonista tão certeira que nada prejudica o desenvolvimento da narrativa.

É incrível como essas mulheres, que precisam ter mestrado em biblioteconomia para poder trabalhar no cargo que ocupam, são desafiadas por gente que não não tem conhecimento nenhum sobre nada, apenas convicção e achismo. Quando uma das personagens retratadas fala que há 10 anos atrás pareceria uma piada falar que seria necessário se preocupar com segurança em uma convenção de bibliotecárias é possível sentir a frustração que se acumula. O que fica claro é um movimento orquestrado e financiado tendo como alvo a educação, negando às crianças o acesso aos livros, sob falsos pretextos, alegando que os livros são pornográficos. E os métodos incluem campanhas de difamação, perseguição e violência e não poupam sequer as próprias crianças.

O documentário tenta terminar em uma nota positiva, em uma batalha ganha. Mas sinceramente? Tudo isso está muito longe de acabar. O fascismo cristão está se retroalimentando o tempo inteiro. É possível ver um pouco do que tentam importar para o Brasil (e só não conseguem porque não temos uma rede de bibliotecas públicas organizadas nesse sistema). E ainda As Bibliotecárias é perfeito passar passar raiva.


Essa cobertura foi possível graças ao nosso financiamento coletivo. Agradecemos em especial a: Carlos Henrique Penteado, Gizelle Barros Costa Iida, Helga Dornelas, Henrique Barbosa, João Bosco Soares, Janice Eleotéreo, José Gabriel Faria Braga de Carvalho, José Ivan dos Santos Filho, Lorena Dourado Oliveira, Lucas Ferraroni, Marden Machado, Mariana Silveira, Nayara Lopes, Patrícia de Souza Borges, Pedro Dal Bó, Vinicius Mendes da Cunha, Waldemar Dalenogare Neto, Zelia Camila de O. Saldanha

Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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