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9 e 1/2 Semanas de Amor (1986)

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No começo de junho aconteceu uma pré-(re-)estreia de 9 e 1/2 Semanas de Amor (9 1/2 Weeks, 1986), clássico de Adrian Lyne estrelado por Kim Basinger e Mickey Rourke, que foi relançado nos cinemas no dia 06/06. Eu lembro dos meus pais cochichando sobre ele numa conversa com uma de minhas tias, da qual não consegui entender o conteúdo para além de “existem filmes assim que são feitos com bom gosto”. Como já diria Calcanhotto, “eu não gosto do bom gosto”, mas esse filme foi um frisson do home video. Eu tinha expectativas. 

E ele começa realmente de uma maneira deliciosa. Os personagens são meros esboços em uma trama que não está preocupada em trabalhar qualquer tipo de verossimilhança. Sabemos pouco sobre Elizabeth,a protagonista de Basinger, para além da descrição dada por sua amiga como se fosse um anuncio de classificado: “Mulher branca divorciada, loira linda e escultural, espirituosa e culta, possui vibrador próprio”. Sobre John, vivido por Rourke, sabemos menos ainda. Ele é rico e trabalha em Wall Street: deve ser o suficiente. Eles se conhecem, um romance nasce dali, sem muita conversa, sem muitas amarras, sem muitas promessas. 

O que se desenrola é realmente divertido. Com uma estética MTV que é muito particular daquela era, a ação segue em pequenos clipes ou vinhetas que mostram os encontros sexuais. Alguns mais ridículos que os outros, mas há um esforço real em mostrar como esses dois estranhos se aproximando podem ter espaço para o lúdico, para a falta de jeito, para as risadas, mas também para a experimentação erótica. Tudo é permeado por uma rotina até bastante banal e com muito humor.

As música combinam com a atmosfera. A cenografia é vistosa, do apartamento pequeno e apertado dela ao estéril paraíso de decoração pós-moderna do dele. As roupas dela, predominantemente em tons de branco, cinza e preto, são lindíssimas, com cortes amplos, caimento impecável e tecidos naturais. O seu cabelo, cortado curto, tem volume em ondas que passa o teste do tempo entre tantas permanentes de então. E Rourke não é muito expressivo, mas está sempre sorrindo de um jeito bonito. Ou seja, entre jogos de luzes e sombras, transparências, vislumbres de pele, caldas de frutas, amarrações de lenços e gelos, tudo é desculpa para ver duas pessoas atraentes brincando num jogo de sedução. Aceito a proposta. 

Mas, de repente, o tom muda. Em algum momento, como em Blade Runner quatro anos antes, há uma cena de estupro, com música suave tocando no fundo, que indica a intenção de que ela ainda fosse entendida na chave do romântico. É apenas violento. E se essa ainda era para ser romântica, daí para frente o próprio filme assume que o romantismo está ficando para trás. Sob a fachada de diversão, alguns comportamentos abusivos começam a aparecer. O que poderia ser uma dinâmica de role-play já não parece muito consensual. Há um desequilíbrio de poder e uma pitada de humilhação e crueldade.

Adrian Lyne, como em outros de seus filmes, apresenta a aventura sexual como algo possível, desejável mesmo, mas que, afinal, tem consequências graves. Ele não se compromete em compor o erotismo sem ter como defesa uma espécie de narrativa de alerta, que indica que esse é um caminho perigoso em que se pode perder. Apesar de toda a diversão apresentada ao começo, e até mesmo do esmero estético com que trata as cenas, o discurso que amarra é moralista e conservador: é melhor se manter longe de tudo isso. Uma pena, porque eu realmente tive expectativas. 

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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