Apolo (2025)
Logo nos primeiros minutos, Apolo já se mostra um filme bastante íntimo. Enquanto Lourenzo e Isis conversam sobre o significado de realizar uma obra audiovisual que retrate o período de gestação e nascimento do filho, ainda pequeno na barriga do pai, o casal reflete sobre como as histórias desses momentos, em geral, são apenas contadas, repassadas nas famílias. Como símbolo da ruptura com as formações familiares tidas como tradicionais na sociedade, a gravidez de Apolo não poderia ser apenas uma conversa para o futuro, urge a necessidade dos pais de construir algo maior, mais honesto e sensível. O documentário é uma carta de amor ao filho, que atravessa linearmente cada fragmento de sua existência, do caso de amor mágico entre Isis e Lourenzo, com ajudinha da internet, da concepção natural e nada planejada, até sua chegada ao mundo, passando pelas dificuldades encontradas, sem esconder da criança do futuro as dores e amores deste universo que a cerca.
Tainá Müller assina a direção junto com Isis Broken, ambas estreantes nesse posto, mas a impressão que fica na pessoa espectadora é estar de fato inserida no núcleo familiar, convidada a conhecer a intimidade desse processo. Mesmo quando não é Isis ou Lourenzo que parecem posicionar a câmera ou até mesmo a segurar, pouco nota-se a existência de uma equipe ou influência externa. O casal comanda a narrativa com total controle do que querem contar e como querem, até mesmo pela narração e conversas, que guiam cada etapa. É essa presença ativa que faz Apolo ser tão amoroso e otimista, mesmo quando momentos horríveis são relatados.
Como duas pessoas trans, Lourenzo e Isis não escondem os preconceitos que encontram no caminho, ainda que fique claro quão doloroso é os partilhar. São cenas como as do hospital em Sergipe, ou do carro de aplicativo em São Paulo, que pontuam as dificuldades de enfrentar uma sociedade hostil quando se ousa viver fora dos padrões aceitos. Porém, Apolo é um filme que transborda amor, um retrato da verdade e um manifesto de existência, por isso, as partes mais difíceis são necessárias, embora não definam essa jornada.
Vê-se como toda a linguagem do documentário é voltada a Apolo, por como todos os personagens envolvidos são descritos a partir do grau de parentesco com a criança, não com os pais protagonistas, e por como Isis e Lourenzo falam tão carinhosamente sobre suas emoções e vivências. Há um cuidado em cada interação, de mostrar exatamente quem são e o que pensam, mas acima de tudo contar uma história, abrir essa janela no mundo e no tempo, pensando na pequena pessoa que receberá essas informações. As dificuldades do pai gestante, por exemplo, de como se sente no corpo grávido, das escolhas da amamentação e do parto, são abordados com muito acolhimento, tanto com Lourenzo como com Apolo. É perceptível como mãe e pai querem passar a força de suas vivências para o bebê, mas também lhe permitir compreender as vulnerabilidades.
A trajetória que começa na pandemia e atravessa o Brasil em busca de um atendimento mais digno, dá ao documentário também o caráter político, de expor questões fundamentais sobre os direitos de pessoas trans, e da saúde pública em geral, mas sem soar informativo e quadrado, é sempre a perspectiva humana e resiliente de Isis e Lourenzo que comanda Apolo. Assistir a esse documentário é como ver a vida de fato se formar e acontecer, o nascimento de Apolo ao final, soa tão aguardado por sua família, quanto por quem acompanha essa pouco mais de uma hora de narrativa, que culmina em uma explosão de afeto.


