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[49ª Mostra de São Paulo] Bugonia
Este texto faz parte da cobertura da 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 16 e 30 de outubro. O cineasta grego Yorgos Lanthimos ficou mais conhecido por suas obras serem desconfortáveis, ou “estranhas” para alguns, e por sua lente olho de peixe sempre distorcendo as cenas. Seus personagens são muitas vezes quase inertes, pessoas que se relacionam com um mundo conturbado ao redor e em algum momento percebem que precisam romper a redoma, enfrentar aquilo que lhes foi imposto. Não é uma regra em 100% de seus filmes, mas o estranhamento certamente é sua linguagem, seja na fotografia, na história que criou ou por como…
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Fréwaka (2024)
Fréwaka vem do título original Fréamhacha, em irlandês, que significa “raízes”. A palavra certamente define a jornada de Shoo (Clare Monnelly), uma cuidadora domiciliar que acaba em uma vila remota em meio a um luto muito mal resolvido pela mãe. A viagem é tanto fuga da protagonista, quanto uma forma de levantar algum dinheiro para sua nova fase de vida. A mulher espera um bebê com sua noiva (Alexandra Bustryzhickaya), ao mesmo tempo em que precisa lidar com todos os objetos deixados pela genitora falecida, para que a casa abra espaço para essa continuidade familiar. O chamado para um novo trabalho vem como alívio, uma maneira de escapar de todos…
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O Último Azul (2025)
Desde que venceu o Urso de Prata em Berlim, O Último Azul se tornou um dos lançamentos brasileiros mais aguardados da temporada. Já passaram mais de 5 anos desde que Gabriel Mascaro chamou atenção com outra distopia, mas, se Divino Amor tinha uma relação muito mais inflamada e pueril com o destino político do Brasil, remover a necessidade de um discurso expositivo com um oponente obrigatório foi o que pavimentou caminhos muito mais interessantes para este novo filme. O cineasta amadureceu seu olhar e sua crítica, além de construir uma obra que transborda sensibilidade ao se concentrar muito mais em sua personagem e, partir dela, relacionar o mundo ao seu…
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A Hora do Mal (Weapons, 2025)
Em 2022, Zach Cregger lançava um filme de terror que já chegou fazendo barulho. Noites Brutais começava com uma trama entre o thriller e a comédia romântica, só para depois mudar radicalmente a perspectiva e o tom. A fórmula de criar rupturas na narrativa, conectando diferentes pontos de vista a um mesmo acontecimento bizarro, é repetida no lançamento mais silencioso do cineasta. A Hora do Mal, que também repete a tradição de uma mudança curiosa na tradução do título minimalista em inglês para um mais explícito em português, chegou aos cinemas neste ano sem muita expectativa do estúdio e foi ganhando o público sem fazer grandes alardes. Se já faz…
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Ponto Oculto (Im toten Winkel, 2025)
Como a câmera conta uma história? Pode parecer uma reflexão bastante óbvia, pensando puramente na funcionalidade técnica do aparelho, de captar e registrar os acontecimentos encenados ou não. No entanto, Ayşe Polat propõe com Ponto Oculto mais uma análise de como o equipamento pode ser usado para manipular a linguagem. A primeira parte do longa, que é dividido em capítulos, serve como uma introdução, visto que os outros dois blocos conversam mais diretamente um com o outro. Neste início, a obra apresenta suas perspectivas e como se diferenciam, sem que ainda compreenda-se bem seus papeis narrativos. Essa relação vai se tornando mais clara conforme a história se desenrola, mas a…
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Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (2025)
Que Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado nasceu nos anos 90 pegando carona com o sucesso e as ideias de Pânico, todo mundo já sabe. Talvez só não fosse tão fácil prever que a franquia seguiria a mesma onda a vida inteira. Até que demorou, mas três anos depois de reviverem a franquia de Wes Craven, agora sem o ícone e sua genialidade, a prima com menos talento fez o mesmo. O histórico das duas é totalmente diferente, enquanto Eu Sei… teve uma sequência bem esquisita, com uma recepção à altura, e um terceiro capítulo quase bastardo na família, lançado direto em DVD e sem o elenco…
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Extermínio: A Evolução
Em sua introdução, Extermínio: A Evolução retorna às origens do vírus, relembrando o que Danny Boyle e Alex Garland começaram há mais de 20 anos. O caos, iniciado enquanto Cillian Murphy dormia no hospital, agora é retratado pela perspectiva do rompimento da infância. São as crianças assistindo ao tradicional programa infantil britânico dos anos 90, Teletubbies, que tem suas vidas interrompidas pela violência. Os infectados adentram a sala repleta de pequenas pessoas assustadas, enquanto um deles tenta se salvar em meio a uma casa com adultos que não tem nenhuma chance de escapar. É fundamental essa construção, mesmo que o personagem inicial só retorne em cena nos últimos minutos do…
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[78º Festival de Cannes] The Black Snake
Este texto faz parte da cobertura do 78ª Festival de Cinema de Cannes, que ocorre entre 13 e 24 de maio. Parte da Acid, uma mostra paralela do Festival de Cannes em que os filmes são selecionados por cineastas – prometendo assim uma programação mais ousada -, La Couleuvre Noire, ou The Black Snake, é uma produção entre França, Colômbia e Brasil que adentra o deserto colombiano de Tatacoa. Pelo realismo fantástico, Aurélien Vernhes-Lermusiaux conta tanto a história particular de Ciro (Alexis Lozano Tafur) quanto do espaço geográfico que o cerca, explorando o místico que vem da terra e da ancestralidade. O homem retorna para seu local de origem depois…
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Animale (2024)
No imaginário geral, toureiros são homens com capas vermelhas que enfrentam touros e os ferem em uma batalha de vida ou morte, em que o sangue se espalha e apenas um dos dois animais consegue sair vivo, nem sempre o humano. Mas, em uma pequena cidade no sul da França, Emma Benestan retrata essas pessoas de forma mais pacífica, com roupas brancas, em embates de coragem em que a ideia é ninguém sair machucado. Vencer significa pegar um barbante amarrado nos chifres do touro, valendo algum dinheiro, sem derramar sangue. Os toureiros em Animale são homens, jovens em sua maioria, que praticamente dançam ao redor dos fortes animais, tentando pegar…
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Tendaberry (2025)
Em imagens que misturam um olhar documental, pela urgência do registro do instante verdadeiro nas ruas e praias estadunidenses, e a ânsia de afinar as bordas da trama de ficção, pelo realismo social, Haley Elizabeth Anderson faz sua estreia na direção de longas com Tendaberry. Na agitação do Brooklyn pós-pandêmico, entre as ruas do bairro e o parque em Coney Island, entre filmagens antigas com a narração reflexiva da protagonista e a câmera que a acompanha no momento presente, o filme encontra a imagem de Dakota (Kota Johan) apaixonadamente próxima de Yuri (Yuri Pleskun), em um fluxo que demonstra a instabilidade de suas vidas, da juventude e do período. Com…