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[8º Olhar de Cinema] Espero Tua (Re)volta

Esta crítica faz parte da cobertura do 8ª Olhar de Cinema- Festival Internacional de Curitiba, que ocorre entre 5 e 13 de junho na cidade. 

São muitos os documentários já realizados sobre as movimentações políticas no Brasil após as jornadas de junho de 2013 e nem sempre eles primam pela forma. O que comprova, também, que um bom documentário não necessariamente se faz do seu tema ou objeto, mas também da linguagem utilizada para a abordá-los.

Nesse aspecto Espero Tua (Re)volta se destaca. Ele aborda o movimentos estudantis que se intensificaram em 2015 no estado de São Paulo, quando estudantes secundaristas ocuparam suas escolas, lutando para impedir o fechamento delas, chamado eufemisticamente de “reorganização” pelo então governador Geraldo Alckmin, do PSDB. Mas, quando sobem os crédito, aparece o texto “filme criado por Eliza Capai”: ou seja, embora tradicionalmente se chame esse processo de criação de “direção” não é essa a abordagem utilizada aqui.

A chave está na sequência, quando se lê “escrito, vivenciado e narrado por Lucas ‘Koka’ Penteado, Marcela Jesus e Nayara Souza”. Capai, que também é uma das pessoas responsáveis pela montagem, se vale da vivência desses três jovens, que participaram dos movimentos estudantis, para que relatem o que aconteceu, sendo os narradores do filme. E é seguindo o fluxo de pensamento deles, com suas elipses e parênteses, que ela cria um documentário vigoroso, com um ritmo dinâmico e uma linguagem contemporânea, capaz de dialogar facilmente com a plateia, apresentando as ações pelos próprios atores delas.

Ao dar voz para os adolescentes, ela também permite que suas motivações e a lógica com que enxergam os acontecimentos nos dias de hoje sejam explicitados, mesmo que para isso seja necessário voltar para as manifestações de 2013 contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) ou revisar o golpe de 2016 (ainda que, como eles mesmos dizem, esse seja outro filme). Com isso se discute não só o direto à educação, mas o direito de circulação, o direito à cidade e à moradia. Trata-se de um clara criação coletiva, que ganha em dar espaço para essas vozes ao invés de tentar adequar suas experiências a uma narrativa convencional, moldada pelos adultos responsáveis pela obra.

Com crítica e auto-crítica, eles analisam como o discurso de apartidarismo gerou um vácuo de poder que levou à eleição de Bolsonaro em 2018. Mas também são a mostra do que é descobrir por si mesmos como funciona se articular politicamente, já que isso não é ensinado na escola, e como fazê-lo de maneira organizada e institucionalizada ou não, com ou sem lideranças, abrindo espaço, mesmo em um tempo tão curto, para deixar um legado, liberando passagem para os mais novos.

Além da política institucional, a política cotidiana é posta: trata-se de uma geração de adolescentes que aprendeu sozinha a reivindicar seu lugar, a colocar seu corpo, sua etnia, seu gênero e sua sexualidade como pautas centrais nas suas vidas. A violência policial cotidiana (e suas estratégias de sobrevivência) e o racismo institucional são relatados quase que com banalidade, não sem seus traumas, mas pela constância e com que ocorrem. Da aceitação do cabelo crespo, usando o tráfico de pessoas negras para escravidão como ponto de reflexão, passando pela possibilidade de se relacionar com quem deseja às reivindicações de direitos das mulheres, usando as sufragistas inglesas como exemplo e o fato do movimento estudantil se majoritariamente liderado por mulheres, eles deixam claro que a revolução passa por seus corpos e toda identidade é política.

Com grande clareza e energia, o filme dá conta de apresentar, na voz de quem precisa contar essa história, diversos acontecimentos da política nacional recente. Enquanto o Brasil for um país em que pedir por educação é pedir para apanhar da polícia, esse filme será uma bela resposta e mesmo uma inspiração. O que é de extrema necessidade depois dos cortes de 30% no orçamentos federal da educação promovida pelo presidente Bolsonaro, culminado na extinção de mais de 2700 bolsas de pesquisa, demonstrando que essa luta não terá fim tão cedo. “Ocupar e resistir”.

Nota: 4,5 de 5 estrelas
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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.