
Extermínio: A Evolução
Em sua introdução, Extermínio: A Evolução retorna às origens do vírus, relembrando o que Danny Boyle e Alex Garland começaram há mais de 20 anos. O caos, iniciado enquanto Cillian Murphy dormia no hospital, agora é retratado pela perspectiva do rompimento da infância. São as crianças assistindo ao tradicional programa infantil britânico dos anos 90, Teletubbies, que tem suas vidas interrompidas pela violência. Os infectados adentram a sala repleta de pequenas pessoas assustadas, enquanto um deles tenta se salvar em meio a uma casa com adultos que não tem nenhuma chance de escapar. É fundamental essa construção, mesmo que o personagem inicial só retorne em cena nos últimos minutos do filme, pois é esse amadurecimento forçado, principalmente masculino, que guiará toda a narrativa.
Se antes Boyle preocupava-se muito mais com a inovação digital e a estilização de sua obra, guiando a história pelas câmeras frenéticas e determinando o ritmo do desenvolvimento dos personagens totalmente pela ação, agora, ele une esses processos (inclusive trazendo de volta o diretor de fotografia Anthony Dod Mantle), mas permite que exista mais do que um visual angustiante. A partir da pequena família de Spike (Alfie Williams), com apenas 12 anos, Boyle e Garland exploram uma humanidade retomando seus instintos primitivos.
Com o Reino Unido isolado da Europa e do mundo, há esse senso de atualidade. Não é mais a distopia do apocalipse distante, mas uma terra que continua a girar enquanto uma parcela que se separa do continente vê a vida regredir. Celulares, internet, televisores e qualquer outra noção do mundo atual ainda existem, mas lhe são impossíveis, para aquelas pessoas os empregos são funcionais, a existência é em modo de guerra, os homens saem para lutar e a mulher fica em casa.
Como um ritual de passagem do amadurecimento, ou um tipo de bar mitzvah antecipado, Jamie (Aaron Taylor-Johnson) leva orgulhosamente seu filho para fora da segurança dos portões em busca de sua primeira morte. O vilarejo todo se anima com a coragem do jovem, as armas são arcos e flechas e o recrutamento não é opcional. A dureza masculina é evocada junto com a brutalidade forçada. Boyle acerta o tom ao usar imagens de arquivo que, com o poema Boots do britânico Rudyard Kipling transformado em trilha sonora, une o passado bélico do Reino Unido com um presente em que homens seguem lutando e enlouquecendo.
Enquanto explica a Spike que matar os infectados deve ficar mais fácil e que suas mentes estão completamente corroídas pelo vírus, o que se vê em Extermínio: A Evolução está longe da sanidade em qualquer ser, humano ou zumbi. Boyle e Garland, que já desafiaram os conceitos desses seres tão conhecidos do horror ao apresentar mortos-vivos extremamente rápidos em tempos em que sua lentidão era praticamente regra, tentam novamente expandir a lenda. Os infectados agora se unem em tribos, se organizam, são famintos por qualquer alimento, possuem líderes que representam a masculinidade em seu auge (junto com órgãos sexuais enormes) e podem se reproduzir. Muito é levantado apenas, questionamentos a serem trabalhados em breve na promessa da nova trilogia, mas que já mostram os realizadores bastante interessados em brincar com a lógica dos zumbis.
Ocorre que, no mundo de Extermínio: A Evolução, pouco distante do nosso, a humanidade foi desconectada da modernidade tal qual conhecemos e, assim, infectados ou não, todos retomaram um senso primitivo de existência. O longa reforça padrões antigos, a brutalidade e resistência do homem e o senso de maternidade e proteção da mulher, enquanto o autodeclarado descendente viking, que vai parar ali sem querer, conectado em celulares e padrões de beleza distorcidos, não tem força para sobreviver na selvageria. Spike, no entanto, rejeita a masculinidade infantil de seu pai, o orgulho burro e a infidelidade, e opta por tornar-se outro tipo de homem, defendendo a mãe (Jodie Comer) e aceitando a sensibilidade necessária para não ser totalmente corroído pelo sistema de guerra ao qual foi lançado.
O rompimento com a infância de Spike caminha lado a lado com esse ensaio sobre a masculinidade em batalha, tema pelo qual Garland é tão fascinado quanto curioso. Assim, a câmera frenética, a estilização, os trancos visuais que enfatizam a violência e as filmagens em celulares, se unem a uma história verdadeiramente substancial. Boyle não mais se preocupa apenas com a ação e o horror visual, mas também com o desenvolvimento de seus personagens, o contexto de seus mundos, o que os levou até ali e o que está por vir.
É dessa forma que, em dado momento, Extermínio: A Evolução permite que sua jornada respire para ver com fascínio a forma como o médico solitário (Ralph Fiennes) vive, e possibilita uma despedida emocional de Spike e Isla. Embora a personagem feminina não tenha tanta chance de fazer algo além de ser a mãe desse promissor protagonista, sua trajetória é fundamental para marcar o amadurecimento do menino como algo além da brutalidade, do recrutamento forçado. A existência da mulher permite a esse jovem enxergar beleza e não só sangue e batalha.
Enquanto o boneco do Power Rangers é deixado em casa, pois é hora de ser um homem lá fora, Extermínio: A Evolução retoma a inocência em forma de uma loucura que a criança vai conhecer sem a segurança das telas, já atrelando completamente sua narrativa ao que está por vir. Pode-se esperar que Boyle e Garland sigam desafiando as lendas, expandindo seus estilos e brincando com a forma, mas que também preencham com mais história seus visuais marcantes. Extermínio não é mais só a frenética sobrevivência, mas uma reflexão sobre o mundo, a masculinidade e a guerra, ilustrada pelo caos, pelo vermelho do sangue e por espinhas dorsais arrancadas.



