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Sobre assistir a filmes dirigidos por mulheres

Essa semana eu comentei aqui sobre o fato de ter terminado meu terceiro ano de desafio #52FilmsByWomen (52 Filmes por Mulheres). Nesses três anos me propus a assistir a mais filmes de autoria feminina, porque senti que não estava dando a atenção que eles mereciam na minha cinefilia. Mas isso não é algo que acontece exclusivamente comigo: o fato é que o cânone de filmes e cineastas consagrados é majoritariamente masculino. Isso cria distorções como, por exemplo, o fato de que em todas as edições do livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, num total de 1210 filmes, apenas 53 sejam dirigidos ou co-dirigidos por mulheres (você pode ver a lista deles aqui). O que significa que se não fizermos um esforço ativo para conhecer outras obras e criarmos um novo cânone, para além desse apagamento, dificilmente isso muda. Por isso que o desafio é tão importante: ele cria a rotina de assistir a outros filmes e a promessa de uma missão cumprida.

Mas esses dias eu tive a percepção real do que isso implica em termos práticos. Eu estava olhando minhas estáticas no Letterboxd (rede social voltada para o cinema) e percebi os resultados quando separo os dados por anos. A rede fornece a lista, entre outros dados, de quais diretores você assistiu a mais filmes naquele ano. E essa abaixo é a minha lista de diretores mais assistidos em 2014, ano em que ainda não fazia o desafio. Irmãos Coen, Scorsese, Hitchcock, Von Trier, Kubrick, enfim, o tipo de nomes que circula com frequência pela boca da cinefilia. Vinte homens, apenas uma mulher: a exceção foi Susanne Bier, porque eu fiz um curso sobre Cinema Escandinavo e lá estava ela.

Comecei o desafio em outubro de 2015, ou seja, nesse ano ele só abrangeu três meses e ainda sem uma profundidade maior, os nomes foram mais do mesmo novamente: Hawks, Villeneuve, del Toro, Kurosawa, Truffaut. Alice Guy foi a exceção do ano: não lembro quando a descobri, mas rapidamente quis espalhar o que conheci sobre ela. 

Em 2016, uma mudança: além do desafio tomar conta dos doze meses do ano, criei o Feito por Elas e com isso assistir a filmes dirigidos por mulheres passou a ser parte de minha rotina irremediavelmente. Agora as exceções passam a ser masculinas: vários filmes de John Hughes foram revistos para a gravação de um podcast sobre ele. Stallone aparece porque nunca tinha visto os filmes do Rocky e resolvi dar uma chance a eles antes de encarar Creed. Mas a lista se enche de novas caras: Jane Capion, Chantal Akerman, Anna Muylaert, Ava DuVernay, Marjane Satrapi, entre outras. 

Em 2017 descobri Maya Deren e me apaixonei. Vi e revi os filmes da Andrea Arnold. Me encantei com a Juliana Rojas (e Marco Dutra também marca presença na lista). Conheci Ida Lupino, considerada a primeira mulher a dirigir um filme noir. Revi os filmes da Nora Ephron para derreter o coração.

O ano de 2018 ainda não acabou, mas Lynne Ramsay já domina o cenário: o que eu já tinha visto, amava e adorei conhecer tudo o mais. Fui debatedora em uma mostra sobre a Margarethe von Trotta e pude ver e rever alguns filmes dela. Agnès Varda, que dizer? Passou a reinar em tantos corações nos últimos anos, finalmente tendo o reconhecimento que merece.

A diferença entre o antes e o depois é patente. Criei para mim um novo cânone. Essa experiência mostra como são efetivas as iniciativas de lançar os olhos para lugares menos óbvios.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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