Marie Kondo em dose dupla
Na virada do ano eu vi que havia entrado para o catálogo da Netflix um seriado chamado Ordem na Casa com Marie Kondo (Tidying Up with Marie Kondo, 2019) e eu pensei “por que não, não é?”. A decisão mostrou-se uma armadilha, porque desde então quando tenho intervalos maiores eu paro para organizar alguma coisa. Esse é aquele tipo de reality show em que cada episódio nos apresenta a uma pessoa ou grupo de pessoas que precisam de ajuda dos apresentadores, no melhor estilo Queer Eye. Nesse caso todos eles precisam organizar suas casas e cada um é uma amostra completa do método da Marie Kondo, embora mostrando pontos específicos do método.
Pausa para falar sobre minha relação com arrumação. Desde criança eu gosto de ter minhas coisas organizadas. Talvez por não ter muito espaço, fazia faxinas anuais para me livrar dos papéis acumulados do ano letivo, separava trabalhos e provas em pastinhas para cada disciplina. Eu ganhei um armário pequeno e falsifiquei a letra da minha mãe, escrevendo com canetinha em cada prateleira o que deveria ir, pra que quando não fosse eu a guardar as roupas, elas permanecessem nos lugares certos. Quando adolescente, ganhei um guarda-roupa maior e passei a separar as roupas por tipo de peça e depois em degradê dentro de cada categoria. Mantinha pastas com saquinhos de plástico para cada matéria da escola e uma para meus recortes de jornal. Meu pai tinha uma coleção de vinis de sua adolescência e tinha dificuldade de encontrar o que queria ouvir. Perguntei se podia mexer neles e passei um dia catalogando eles pelo nome do artista ou banda e reorganizando no armário. Até hoje eles estão do mesmo jeito, já que ele tira e recoloca no mesmo lugar. Eu chegava ao ponto de arrumar a geladeira da minha vó quando a visitava, porque não conseguia encontrar nada dentro. Enfim, sempre tive uma facilidade e vontade grandes de organizar coisas. Ainda assim tem coisas que simplesmente não permanecem arrumadas, como minha mesa de trabalho, meus brincos e calçados. Por que isso acontece?
Bom, a Marie Kondo dá algumas pistas, mas o que ela faz é jogar para a própria pessoa a responsabilidade de fazer seu filtro. E enquanto eu estava assistindo ao programa comecei a ler o seu livro A Mágica da Arrumação – A Arte Japonesa de Colocar Ordem na Sua Casa e na Sua Vida, que aprofunda um pouco mais o que é mostrado no seriado, além de ser curtinho. O método não é baseado na melhor forma de armazenar as coisas, mas sim em que coisas manter para armazenar. Mas ela também não destaca que coisas você precisa se desfazer: a ideia é, ao contrário, que você pense nas coisas que quer manter. Passando por categorias de objetos, ao invés de cômodo por cômodo, como costuma-se fazer em arrumações, você define o que “te dá alegria”, assim subjetivo mesmo. Aquelas coisas que você questiona se deveria manter ou tem porque ganhou de alguém que você gosta, mesmo não usando, ou que deixaram de ter utilidade há anos, talvez não precisem mais ficar na sua casa. E uma vez definido o que fica, aí sim vem a arrumação.
Tenho tentado fazer algumas coisas em casa e por enquanto tem funcionado. Claro que nem tudo vou pôr em prática. Algumas ações da Kondo tem base em tradições xintoístas e definitivamente não me vejo agradecendo minha bolsa por carregar meu objetos ou conversando com as coisas. Além disso ela parece viver em um mundo mágico em que as pessoas não têm coleções nem hobbies (afinal o dela mesma deve ser colecionar caixas de sapatos para arrumar coisas). Livros, para ela, devem ser lidos e passados para frente, a não ser que tragam a possibilidade de prazer futuro. Ou seja, ela não considera a possibilidade de precisar ter livros de pesquisa e consulta. Os poucos que ficam são porque são os preferidos. Não, não, não. Não tem como aplicar isso. Outra coisa é o grande desapego que muitas vezes vem da facilidade e preço baixo do consumo em países de primeiro mundo (possível às nossas custas), mas que aqui, por não ser tão fácil, faz com que precisemos guardar e ter mais coisas.
Mas, enfim, ainda estou no processo de arrumação e já sinto que muita coisa melhorou. Não estou aplicando o método ao pé da letra nem integralmente, mas adaptando ao que acho que é possível para minha realidade. Claro que a comparação do reality show com Queer Eye talvez seja injusta, porque não são mudanças tão intimamente transformadoras. Mas ainda assim são mudanças importantes para deixar a casa (que nesse caso também é meu local de trabalho) pelo menos mais gerenciável. E, caso não faça a leitura do livro (que recomendo, porque embora seja repetitivo é curtinho), fica a dica da série que já é uma amostra de como colocar em prática.