Marilyn Monroe e imagens que transcendem pessoas
Texto publicado originalmente na newsletter para assinantes do financiamento coletivo do Feito por Elas.
Essa semana não vai ter textão (porque preciso entregar um outro texto para minha orientadora, oremos ahahaha). Mas vou comentar mais um assunto visto no twitter. Um crítico, diante da proximidade da estreia do filme Blonde, estrelado por Ana de Armas no papel de Marilyn Monroe, escreveu o seguinte: “Como alguém que viu muitos filmes da Marilyn, sinto que esta temporada vai me matar. Na faculdade, lembro-me de conhecer uma garota que tinha pôsteres de Marilyn por todo o quarto. Eu fiquei tipo ‘oh, qual é seu filme favorito da Marilyn’ e ela disse (sem hesitar) ‘eu nunca vi nenhum'”.
Esse texto não é uma crítica específica ao que ele falou, mas uma reflexão que nasce a partir dele. Pode ser falta de paciência minha, mas não pude deixar de lembrar daquele causo recorrente na internet que fala sobre mulheres que gostam de rock e que quando estão com a camiseta de uma banda sempre aparece um cara para perguntar “ah, você é fã da banda X? Então cita três músicas!”. O mesmo acontece, inclusive, com mulheres que jogam videogame. Sempre tem um gatekeeper, em bom português, um porteiro, para controlar quem pode passar pelo portal das pessoas iluminadas que têm permissão dizer que são fãs de algo ou que podem consumir alguma coisa relacionada a alguém
Parafraseando o colega, essa temporada vai me matar, porque vai sair especialista de Marilyn Monroe de tudo quanto é canto e vai ter muita cag*ção de regra, com o perdão do meu bom francês, sobre quem pode gostar dela, ou quantos filmes é necessário ver antes de dizer que conhece a atriz.
Lembrei que, quando eu estava na oitava série, minha mãe pegou na biblioteca uma biografia da Judy Garland pra eu ler. E eu li com grande curiosidade, porque eu conhecia O Mágico de Oz pelas imagens que circulavam. Eram tempos sem internet e foram anos (décadas, talvez?) para que eu pudesse ver um dos filmes da biografada pela primeira vez. O que não me impediu em nada de apreciar a obra, diga-se de passagem, embora, claro, talvez se eu já tivesse assistido a um ou outro filme, tivesse mais contexto.
Pensando nessas imagens que se projetam de uma forma que ultrapassa a própria obra, como Dorothy andando pelos tijolos dourados, curiosamente o que um comentário como o do twitter deixa de fora é a constatação de que Marilyn é mais do que Marilyn. Marilyn é uma figura pop. Sua imagem transcende qualquer papel que tenha interpretado, qualquer filme em que tenha atuado. É um pouco o que acontece com Audrey Hepburn também, embora tenho a impressão, nesse caso, que a imagem criada para seu papel como Holly Golightly em Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, 1961), se mistura à sua própria persona para o grande público.
O fato é que todo mundo conhece a foto de divulgação de O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year It, 1955), em que Marilyn segura o vestido esvoaçando com a ventilação de um metrô. Todo mundo reconhece o vestido rosa do número musical de Diamonds Are a Girl’s Best Friend no filme Os Homens Preferem as Loiras (Gentlemen Prefer Blondes, 1953). E, bom, todo mundo lembra da atriz cantando Happy Birthday para o presidente estadunidense John Kennedy, em 1962. O vestido da ocasião, inclusive, voltou à baila esse ano, quando Kim Kardashian usou-o para o Met Gala (mas essa é outra história). Marilyn é referência, é imagem que circula no Pinterest. E eu, pelo menos, conheço todas essas cenas desde criança, quando se multiplicavam como memes, no sentido original da palavra, naqueles tempos de televisão aberta e pouco a acesso a tudo, muito antes de ver um de seus filmes.
Sex symbol, ícone fashion, diva. É claro que nenhuma descrição breve ou adjetivo solto vai dar conta de abarcar o que é a complexidade de nenhum ser humano e esse, por trás da imagem, se dissipa um pouco. A imagem é replicada como um significante, mas o significado se perde no processo. Nesse sentido, como, de fato, eu já assisti a alguns filmes da Marilyn (risos), não posso deixar de recomendar Os Desajustados (The Misfits, 1961). Talvez seja sua melhor atuação e é de uma tristeza e uma tragédia lindas como a personagem que interpreta se mistura a ela mesma.
Mas o fato é que não temos controle sobre sobre esses processos e é contraproducente querer barrar as pessoas se fascinarem pela imagem, de reproduzirem, de admirarem. Tá liberado ter pôster da Marilyn (e ver sua cinebiografia) sem ter visto nenhum filme, viu?