
O Melhor Amigo (2024)
Não vou mentir que um dos pensamentos que ficaram comigo depois de assistir a O Melhor Amigo, novo trabalho do diretor Allan Deberton, foi que precisamos de um musical jukebox com o repertório da dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas. O momento do filme que foi responsável por isso é rápido, mas resume bem o quanto o longa é feliz ao celebrar o melhor do nosso cancioneiro popular em um musical vibrante, mesmo quando se fecha no escuro de uma boate.
Na cena em questão, a música Retratos e Canções (sucesso de Sandra Sá nos anos 1980) é cantada em um karaokê e, como as grandes músicas compostas por Sullivan e Massadas, parece resumir bem os sentimentos de quem sofre com a famosa dor de cotovelo. Na plateia, o jovem Lucas (Vinicius Teixeira) é confrontado com o medo que o paralisa. Minutos depois, ele se vê em cima daquele palco, mas não consegue vencer a resistência que tem com os próprios desejos e com o próprio corpo.
Subir em um palco, colocar uma peruca e cantar, ironicamente, uma música chamada Perigo (composição de Paulinho Lima e Nico Rezende que a gente conhece na voz de Zizi Possi) são atos que representam apenas um fragmento da aventura que Lucas se propõe a viver. Parafraseando uma canção que não está no filme, um belo dia ele resolveu mudar e fazer tudo o que queria fazer. No caso, pegar o carro e dirigir até a praia de Canoa Quebrada, a 160 km de Fortaleza, para reencontrar um amor não resolvido.
Nesse cenário carregado de cor, Deberton nos dá de presente números musicais que dão vontade de correr para o karaokê mais próximo. E isso vai da performance convidativa de Amante Profissional, da banda Herva Doce, à constrangedora declaração de amor com Escrito nas Estrelas, de Tetê Espíndola, passando por uma reinvenção curiosa que fez esta que vos escreve finalmente prestar atenção na letra de Mais Uma de Amor (Geme Geme), da Blitz. E quando Gretchen (!) sobe no palco, o jogo já está ganho e nem o personagem mais medroso dessa história resiste (e não resiste mesmo).
É tão bonito ver um filme que vai de encontro às nossas referências pop com orgulho. No ano passado, tive uma sensação parecida ao assistir ao A Vilã das Nove (disponível no Disney+), filme do diretor Teodoro Poppovic que coloca a telenovela, algo tão caro para o Brasil, como centro dramático da história. No musical de Allan Deberton, o tom é de encanto pelas paisagens e pelas descobertas que aguardam Lucas, seja por trás das portas da pousada na qual ele está hospedado, seja dentro de um bar que o acolhe ao som do instrumental inconfundível de Doce Mel (Bom Estar Com Você).
A vida pode até não ser um doce, ao contrário do que Xuxa cantava, mas se perder nas curvas da estrada em busca de um sentido para ela pode ser bem mais legal do que andar em um caminho seguro. Como foi bom andar nessa estrada por uma hora e meia com Lucas e vê-lo aprender a ir em frente, mesmo com medo. Ao som dessa trilha sonora e iluminada por um sol que parece cortar a tela em direção ao sofá de casa, então? Melhor ainda.
P.S.: e eu reforço o pedido por um musical de Sullivan & Massadas. Obrigada.


