Cinema,  Críticas e indicações,  Filmes

Parque de Diversões (2024)

É noite na cidade, pessoas caminham de diversas direções até um mesmo ponto central. A escuridão urbana contorna os rostos, ninguém diz nada, ninguém tem nome, nem história, mas seus rostos são bem retratados, em foco. Quando a primeira personagem chega aos portões e os rompe, abre-se um novo mundo, resgatando um lado mais animalesco do instinto sexual, até por isso a primeira pessoa a desbravar o parque o faz justamente subindo em uma árvore. Parque de Diversões inicia então sua observação voyeur, convidando a pessoa espectadora a participar de um jogo entre diferentes experiências, mas com seu ritmo bem estabelecido entre as preliminares e o ápice. Os personagens praticamente conduzem a câmera entre a vegetação e os brinquedos infantis do parquinho vazio, um espaço claramente voltado para a recreação familiar durante o dia, se torna território livre para explorar fetiches no cair da noite.

Nesse cruising mineiro, os diálogos são poucos, só existem para descrever o sexo e fazer parte das trocas entre corpos. Primeiro, Ricardo Alves Jr. passeia com calma entre os flertes, por como os olhares comunicam silenciosamente uma aproximação, um desejo e uma permissão, deixando que as cenas retratem a movimentação de acordo com como os atores interagem. O trabalho de som prioriza trazer textura e sensação às relações, barulhos de boca, saliva, peles se tocando, penetrações, e aqueles que incrementam os fetiches explorados, como risos, uma pessoa urinando, pênis de borracha sendo manuseados e afins, cada som tem seu destaque. Por pouco mais de uma hora, pessoas queer desconhecidas se encontram e se deixam levar por seus desejos, encontram aqueles com as mesmas vontades, seja em uma alusão mais animalesca, no meio das plantas e da terra, ou aproveitando as estruturas lúdicas do parquinho.

Um dos momentos mais interessantes de Parque de Diversões é a cena em que um homem cego se coloca como voyeur, a posição assumida pela câmera durante todo o filme e, consequentemente, por quem assiste ao longa, mas por lhe faltar justamente a visão, encontra alguém que descreva as interações sexuais ao redor de ambos. Ricardo Alves Jr. brinca com a imaginação, fechando a cena apenas nos dois personagens, instigando que a pessoa espectadora realize o mesmo exercício do voyeur sem visão, criar as imagens em sua própria mente a partir dos relatos incrementados de um dos personagens.

Mais importante do que realmente realizar, performar e retratar o ato sexual, o longa se concentra em tudo que envolve o desejo, dessa provocação do sentir e criar tesão, dos olhares convidativos, toques iniciais e jogos, tudo que é sexo mas não é apenas penetração. O espaço importa menos do que sua função para aquelas pessoas, por isso as cenas são mais fechadas, os planos não se abrem para explorar o local, são as personagens que conduzem e a partir de suas aventuras, o parque é também visto e conhecido por quem assiste. Assim, ele opera como uma exteriorização daquilo que é reprimido do lado de fora, como se do portão para dentro todos pudessem explorar seus fetiches, encontrar quem também os queira explorar e libertar seus instintos. 

Daí a liberdade pode ser transar com um desconhecido no meio das plantas ou simplesmente andar sem roupas pelo parque, o que importa é essa fenda aberta em que se é livre. E como funciona nessa dinâmica, ninguém precisa ter nome, nem dizer muito, se não cabe naquela realização de seus desejos, os corpos se compreendem mesmo nas sutilezas. Porque apesar de ser um filme puramente sobre a performance do sexo, ele não é mecânico, muito menos protocolar, as cenas existem com uma vontade muito legítima e também com delicadezas, longe de uma ideia de atrelar a clandestinidade do encontro anônimo na escuridão a algo impróprio, mas muito mais pelo lado lúdico, como a jaula que se abre para um mundo cheio de possibilidades e nenhum julgamento. A fotografia potencializa essa proposta, tanto valorizando as peles, corpos e interações, quanto dando cor a essa noite iluminada de forma controlada. Assim, o parquinho esvaziado em um centro urbano não se torna algo sujo, mas tem até uma boa dose de classe na estilização empregada, que permite que os corpos suados e os fluidos pulsem mais desejo ainda. Parque de Diversões vai da preliminar ao auge, só termina quando todo mundo goza no final. 

Crítica de Cinema e formada em Rádio e TV. Apaixonada pela sétima arte desde sempre, trabalhando com marketing para pagar as contas e assistindo a filmes para viver.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *