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Pasárgada (2024)

Dira Paes estreia na direção explorando a natureza como chave da transformação de uma protagonista controversa, mas ficam claras suas dificuldades para estruturar o longa.


É comum o movimento de pessoas que atuam e decidem desbravar o lugar da direção sem muita experiência anterior do outro lado das câmeras, com todo tipo de resultado, dos que surpreendem, os medianos e os que decepcionam. Dira Paes não somente estreia como diretora, mas acumula funções na feitura de seu primeiro filme, algo que é muito visto no cinema independente feito por mulheres, em que obras são dirigidas, protagonizadas, escritas, produzidas e algumas vezes até montadas por uma mesma cineasta. Em Pasárgada, Dira assina sozinha o roteiro, pega para si o controle do longa e dá vida à personagem que criou. Há inegavelmente uma vontade gritante de construir imagens, a direção de fotografia de Pablo Baião se debruça com drones que fazem diversas tomadas áreas por esse cenário natural que engole Irene, e, pela terra, insere outras tantas cenas que apenas contemplam o verde, o som dos pássaros e o movimento das águas. Nesses momentos, o ritmo pede calma, o interesse maior do filme parece ser de integrar a mulher ao meio em que está, ao que, a princípio, para o espectador, parece uma viagem de autoconhecimento. Aos poucos é revelado que Irene é uma espécie de predadora do local, no entanto. Levantar o tema do tráfico de animais silvestres parece provocar alguma necessidade de se justificar em dados momentos, mas na composição da personagem é muito mais um elemento que a torna controversa, serve à sua jornada e funciona melhor nesse lugar íntimo, do que como uma mensagem política, que acaba ficando mais falha no desenvolvimento. Tocada pela natureza da Mata Atlântica, a ornitóloga questiona a si mesma e se descobre a partir de seu contato com o espaço, muito ressaltado justamente quando o filme permite que as imagens respirem e observem a interação da protagonista com o exterior em planos mais abertos, apequenada pelo meio ou totalmente misturada a ele. É quando a trama se fecha mais nos detalhes criminosos, sem os desenvolver propriamente, que o roteiro dá grandes sinais de fraquezas, de uma estrutura pouco sólida para esse viés de suspense que Dira também pretende abordar. 

Economizando bastante nos planos, Pasárgada ainda tem muitos sintomas da pandemia recente que o mundo viveu. Evitando ao máximo o plano e contraplano para resolver seus diálogos, os contatos com personagens de fora se dão por chamadas em vídeo na tela do computador, usando o objeto para que as interações ocorram em um único plano, sem movimentos ou aproximações e sem sair do refúgio solitário de Irene. Essa escolha também reforça justamente o senso de isolamento da mulher, que certamente vem da própria experiência particular da diretora durante a pandemia, base da inspiração para desenvolver o filme. Existem, então, momentos que revelam esse tempo específico recente, embora não presente descritivamente na narrativa, é sentida sua influência, e em outro lado, a personagem é retratada integrada à natureza em planos que ainda assim, se limitam a poucos cortes, sempre enquadrando os personagens juntos para exibir seus contatos, ou fazendo leves movimentos que exploram as ações sem mudar a cena. A sensação é de imensidão do lado de fora, mas de um universo de pouquíssimas pessoas. Dira consegue dar dimensão de espaço, mas não de mundo, porque sempre se concentra na experiência individual de Irene, o que lhe parece muito mais importante e, talvez por isso, o aceno a um suspense policial soe tão precário e intrometido. 

Pasárgada revela traços de uma feitura muito inexperiente, mas também muito pessoal, e é como observar alguém dando os primeiros passos em uma nova atividade. Porém, devido a essa intimidade de Dira Paes com sua protagonista, enquanto estudo da personagem controversa, caminha em terra mais firme. Precisa de pouco para ilustrar como Irene é tocada por esse espaço e vai de uma predadora do meio ambiente, que facilita o tráfico dos pássaros do local, a uma mulher em transformação, que se arrepende ao compreender a beleza de ser livre, voar e a importância de preservar o cenário com que se relaciona e a faz despertar. Quando tenta cruzar a linha dessa jornada pessoal e quase espiritual para o cerne criminoso, colocando Irene muito ativamente no desenrolar das ações, descobrindo mortes e denunciando a própria atividade, o longa mostra rachaduras de um roteiro pouco preparado, sem substância o suficiente para esses momentos se sustentarem. 

Resolver tudo em poucos planos e usar bastante a tela do computador não é problemático por funcionar na lógica do que a protagonista está vivendo nessa solidão isolada que a muda de dentro pra fora, mas, quando essas escolhas se aplicam à denúncia online para a polícia federal, por exemplo, é um declínio e tanto. Essa necessidade de sublinhar a importância temática prejudica bastante a obra, já que basta para a crítica ao tráfico de animais o lugar de controvérsia no embate interno de Irene para ser relevante dentro de Pasárgada e levantar seus problemas. Porém, mesmo que a conexão realmente trabalhada aqui seja com a natureza, o longa busca os efeitos nos humanos, pontuando didaticamente o que é errado, a função da protagonista nisso tudo (como se já não fosse claro), e uma redenção que precisa ser totalmente soletrada na tela do computador. Existe todo esse mundo que não funciona bem no roteiro e é traduzido nas imagens com uma rigidez truncada em oposição à liberdade que se dá quando Irene simplesmente se entrega à natureza, e até mesmo a fome de exibir belas imagens ajuda na composição do que é pessoal à protagonista. Vê-se que muito aqui ainda não parece pronto o suficiente, mas que há de fato uma inspiração que move a jornada particular, que é muito da diretora e se transfere para a personagem, resultando nos momentos mais interessantes do filme. 

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Crítica de Cinema e formada em Rádio e TV. Apaixonada pela sétima arte desde sempre, trabalhando com marketing para pagar as contas e assistindo a filmes para viver.

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