Rafiki (2018)
Romeu e Julieta: duas pessoas jovens de famílias com rivalidades políticas se apaixonam e querem ficar juntas. Essa é a premissa de Rafiki, filme queniano dirigido por Wanuri Kahiu. As protagonistas são Kena (Samantha Mugatsia) e Ziki (Sheila Munyiva), ambas filhas de dois homens candidatos nas eleições locais e moradoras do mesmo conjunto habitacional. Ziki vê Kena no bar com os amigos ou andando de skate pela rua e Kena vê Ziki treinando coreografias na rua com as amigas. Elas se aproximam, criam laços e se apaixonam. Como muitos romances focados em personagens LGBT, isso não acontece sem turbulências.
No Quênia, relacionamentos entre pessoas do mesmo gênero não só são proibidas, como duramente penalizadas. É nesse contexto que as jovens transitam. Trata-se de um retrato de classe média, em que elas têm opções como fazer faculdade ou viajar pelo mundo, mas mesmo assim contido dentro das fronteiras bem marcadas da tradição, especialmente da religiosidade. O cristianismo adiciona uma camada a mais na tensão que se cria: além de crime, o relacionamento entre as duas é um pecado e o diabo precisa ser expulso. Religião e política articulam as relações sociais e as ações internas à comunidade. A fé é uma força que se relaciona à lei e ambas se conectam à noção de direitos humanos, que é posta em xeque. E a violência e a falta de apoio vem de onde menos se espera.
E, apesar disso, as regras são quebradas por outras pessoas, o que significa que apenas de algumas é exigido seu cumprimento. O conjunto onde moram é o lugar onde os habitantes dizem “você acha certo Deus ver dois homens se comendo?”, mas também onde conta-se como anedota em tom de comemoração quando um mulher se relaciona com dois homens. As regras não são as mesmas para todos.
O filme estabelece um interessante contraste de performatividade de gênero. O figurino das duas protagonistas já deixa marcado: Kena veste-se com calças largas e camisetas enquanto Ziki usa vestidos rodados e coloridos. Tomboy e girly. Kena não só circula pelas rodas de conversa masculinas, como chega, mesmo, a jogar futebol com eles, como se fosse, nas palavras de um deles, “um dos caras”. Apesar desses aspectos, pouco conhecemos sobre os anseios internos às personagens, que parecem às vezes nunca se tornarem mais que um esboço.
Por outro lado, a estética se destaca, desde os belos créditos de abertura. Na sequência em que conversam pela primeira vez, as garotas são enquadradas por Kahiu em um poético jogo de luz e contraluz entre roupas em um varal no terraço de um dos prédios. Os tons pastel neon dominam a cartela de cores e quando saem de noite juntas, são filtradas por um rosa neon que ilumina a cena, cor que, junto com outros tons avermelhados, recobre a kombi que funciona como uma espécie de esconderijo, um lugar para ser só seu. Tudo isso em planos que captam a geografia do conjunto habitacional onde moram, como se naquele momento todo o mundo fosse ali, para o bem e para o mal.
Embora sem aprofundar nas questões que inquietam suas protagonistas e sem construí-las como personagens multidimensionais, Rafiki é um filme doce e sensível que dá conta de criar uma narrativa esteticamente agradável de uma realidade que é local, mas pode ser mais que isso.
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