Releituras: novos olhares para antigas histórias
Devido à pandemia de coronavírus, o ano de 2020 foi intensamente desafiador e não há dúvidas de que, diante de tanta crise, a necessidade principal dos novos tempos é se reinventar. Da reinvenção surgem, então, mudanças que apontam para novas versões e redefinições de uma série de processos e também de nós mesmos, numa busca por adaptação ao contexto e às tendências. Algo que o cinema, enquanto arte e entretenimento, sempre fez muito bem. Algumas narrativas clássicas e que marcaram época estão, ao longo da história, sendo atualizadas para novos públicos que demandam abordagens que acompanham as discussões contemporâneas e estéticas que evidenciam como técnica e linguagem têm se desenvolvido.
Nesse sentido, os remakes, reboots e outras releituras são alguns dos exemplos de como o cinema moderniza ou reimagina narrativas já conhecidas e as reposicionam no contemporâneo. Na lista a seguir, reunimos filmes que atentaram para atualizações em termos de protagonismo feminino e questões de gênero e que podem ser vistos na plataforma de streaming do Telecine:
Este é um dos melhores exemplos de modernização que transformou um monstro de horror clássico da Universal em uma ameaça nada ficcional: o homem abusador. O filme de mesmo título lançado em 1933 foi inspirado no conto do autor britânico H.G. Wells, cujo protagonista cria uma fórmula de invisibilidade e a aplica em si próprio. Partindo desse elemento fantástico, O Homem Invisível de 2020, escrito e dirigido por Leigh Whannell, incorpora características de relacionamentos abusivos reais e como afetam as mulheres, concentrando a narrativa na sobrevivente e não no monstro. Abordando violência doméstica, perseguição, trauma e sobrevivência, a chave do horror não poderia ser mais adequada. Cecilia Kass (Elisabeth Moss, em mais uma atuação excelente) escapa de seu ex-marido abusivo, o cientista milionário Adrian (Oliver Jackson-Cohen), mas está convencida de que ele continua lhe vigiando e aterrorizando, embora o resto do mundo acredite que ele tenha se matado. Ao mesmo tempo que precisa lutar por sua vida, Cecilia precisa provar a verdade do que vivencia para as outras pessoas, uma situação, infelizmente, bastante comum às mulheres vítimas de abusos. Além disso, a invisibilidade serve como alegoria para se refletir sobre a constante sensação de insegurança que o trauma de uma relação abusiva pode deixar.
A história de um artista de sucesso com problemas de alcoolismo que descobre uma jovem talentosa e vê sua carreira se arruinar enquanto a dela deslancha é uma das mais conhecidas e adoradas do cinema hollywoodiano, emocionando as pessoas há mais de 80 anos com todas as suas versões: contando com a mais recente, são quatro – ou cinco, se for considerado o filme What Price Hollywood?, de 1932, que pode ter sido plagiado pelo “primeiro” Nasce Uma Estrela, de 1937. No remake atualizado, de 2018, vencedor do Oscar de Melhor Canção Original, o diretor Bradley Cooper é também o ator que faz o papel de Jack Maine, um rockstar que luta contra o consumo excessivo de álcool. Certa noite, ele entra em um bar e se encanta por Ally (vivida por Lady Gaga, em sua grande estreia no cinema), uma garçonete que canta no local. Os dois começam uma relação intensa e Jack a ajuda a alavancar sua carreira como cantora. No entanto, ao passo que Ally se torna uma estrela, Jack está em decadência. Na relação entre Jack e Ally é interessante observar como a questão da identidade e individualidade dela enquanto profissional da música é um dos temas mais importantes. E um detalhe de abordagem que faz toda a diferença em comparação às outras versões dessa história é que o sucesso de Ally não provoca inveja nem competição em seu companheiro. Os problemas que eles enfrentam estão relacionados ao alcoolismo e às divergências e desencantos quanto ao funcionamento do universo pop.
A famosa história de Peter Pan, um texto clássico que atravessa gerações, foi criada por J.M. Barrie e ganhou várias adaptações para cinema e TV. A mais recente delas é Wendy, filme dirigido por Benh Zeitlin e com roteiro de dele e da Eliza Zeitlin, que desloca o protagonismo de Peter Pan para a personagem feminina do título. É pelo ponto de vista de Wendy (Devin France), uma garotinha de Louisiana, que acompanhamos tudo que acontece a partir de sua viagem com os irmãos até a Terra do Nunca. Sonhadora, apaixonada por histórias e com espírito de aventura, nesta reimaginação, Wendy é livre de várias limitações de gênero que lhe foram impostas em outras adaptações, como o papel de cuidadora. Além disso, o filme também inova em outros aspectos, em especial por trazer o ator mirim negro Yashua Mack como Peter Pan, contribuindo para a diversidade nas representações e imaginários.
Como parte de uma franquia de sucesso de protagonistas homens, Oito Mulheres e Um Segredo é definitivamente um destaque no processo de abertura do mainstream para a representação feminina e narrativas mais inclusivas. O primeiro filme, chamado Onze Homens e Um Segredo é de 1960, que depois ganhou uma versão de mesmo nome em 2001, com mais duas continuações: Doze Homens e Outro Segredo, em 2004, e Treze Homens e um Novo Segredo, em 2007. Lançado em 2018 e mantendo a tradição de um elenco de estrelas, Oito Mulheres se baseia na premissa desses outros filmes – o plano ambicioso de um assalto feito por um grupo carismático de criminosos – porém agora com protagonismo feminino, ou seja, o grupo de ladras é formado só por mulheres. Na história, Debbie Ocean (Sandra Bullock), irmã de Danny Ocean (personagem de George Clooney na franquia e de Frank Sinatra no original) é liberada após cinco anos na prisão, mas já está pronta para aplicar um golpe milionário. Ela vai atrás de Lou (Cate Blanchett), sua antiga parceira, para ajudá-la a reunir um time brilhante de golpistas. Com isso, Bola Nove (Rihanna), Amita (Mindy Kaling), Constance (Awkwafina), Rose (Helena Bonham Carter) e Tammy (Sarah Paulson) se unem à dupla para roubar um colar de diamantes em pleno baile beneficente do Museu de Arte Metropolitana, o MET Gala. Vale ressaltar também o trabalho de Anne Hathaway no papel de uma diva do cinema, a Daphne Kluger, e as muitas cameos de celebridades e personalidades do mundo da moda. Mesmo com seus problemas típicos de filme que segue uma fórmula e alguns estereótipos, é uma satisfação ver mulheres com autonomia, inteligentes e se divertindo juntas. Afinal, mulheres podem e devem ocupar todos os espaços, incluindo os filmes pipoca.
Segundo remake do clássico Noite do Terror, de 1974, Natal Sangrento é dirigido por Sophia Takal, cineasta premiada por seu terror de estreia, Always Shine. Ela também escreve o roteiro ao lado de April Wolfe. O filme não teve uma recepção crítica muito favorável, que, no geral, apontou a falta de profundidade e refinamento na abordagem dos temas. Ainda assim, chama a atenção por se lançar claramente como discurso feminista que oferece uma alternativa (ou resposta) às narrativas machistas e misóginas do gênero do terror, no caso em específico as do tipo slasher. E, assim, trata de assuntos como masculinidade tóxica, assédio e cultura do estupro e apresenta um grupo de mulheres que não são vítimas indefesas. O longa de 1974 já atentava para a autonomia feminina e, de uma maneira diferente e mais sutil, tocou em questões como aborto e opressões patriarcais, mas nesta versão atual, a escolha foi pela abordagem explicitamente crítica ao machismo e violência de gênero em vários aspectos do enredo e estéticos.
Lembramos que você encontra esses e outros filmes no catálogo do Telecine. Aproveite porque os 30 primeiros dias são gratuitos!
Esse conteúdo foi produzido pelo Feito por Elas, de maneira patrocinada, em parceria com o Telecine.