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Rivais (Challangers, 2024)

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Encontros e desencontros. Corpos e desejos. Rivais (Challengers, 2024), novo filme de Luca Guadagnino retrata seus três protagonistas em uma jornada de exploração sensorial, que transforma libido em competição. O roteiro intigante é de Justin Kuritzkes, também conhecido como o marido da cineasta Celine Song cujo alter-ego em Vidas Passadas (Past Lives, 2023) é interpretado por John Magaro (E ele já tem mais um filme engatilhado com o diretor depois desse). Eu sou uma apreciadora do cinema do cineasta italiano. Quando assisti a Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name, 2017), escrevi:

“Desde em Um Sonho de Amor, mas especialmente em Um Mergulho no Passado e aqui, Guadagnino demonstra gostar de exibir corpos. Ele os desnuda e os filma belos e sexuais”
(crítica completa aqui

Isso não poderia ser mais verdadeiro em seu novo trabalho. Músculos retesado, movimentos extremos, suor pingando ostensivamente: cada enquadramento é feito para realçar o vigor físico de seus protagonistas. A alma do filme é Zendaya, interpretando Tashi Ronaldson, que no tempo presente da narrativa administra a carreira e é treinadora de seu marido, o tenista Art (Mike Faist), bem como a rotina da filha deles, Lily. (Zendaya, inclusive, também é uma das produtoras da película). Tashi é rigorosa e Art parece temer desapontá-la caso não tenha um bom desempenho nos torneios em que participa.

A trama começa em 2019, quando Art enfrenta Patrick Zweig (Josh O’Connor) na final de um pequeno torneio local. Art quer recuperar a forma para um torneio maior. Patrick, jocoso e desafiador, precisa ganhar qualquer trocado para poder parar de dormir no carro e ter refeições decentes. O contraste entre o uniforme impecavelmente branco do primeiro e do descombinado e desarmonioso do segundo são gritantes, bem como os cartazes “nós te amamos, Art” na torcida e sua foto em outdoors, vendendo carros ou raquetes. Art é um grande jogador que tropeçou em alguns torneios, enquanto Patrick é um virtual desconhecido. 

A montagem de Marco Costa é essencial para a percepção que se tem do filme. Ele imprime um ritmo vigoroso às partidas, em conjunto com a trilha eletrizante (desculpe) de Trent Reznor e Atticus Ross e com a fotografia de Sayombhu Mukdeeprom, que usa de câmeras subjetivas para nos colocar no jogo. Mas também estrutura a história em flashbacks que vão e voltam no tempo como a bola quicando no saibro. E assim descobrimos que 15 anos antes, Patrick e Art moravam juntos e venceram um torneio de duplas. Foi nessa época que conheceram Tashi, então também jogadora, e se atraem por ela imediatamente, formando o triângulo amoroso que será negociado pelos anos seguintes. 

Zendaya, à luz do luar em uma festa em sua homenagem, brilha. Os jovens flertam e experimentam. Guadagnino não está interessando em impor barreiras à sexualidade de seus personagens. Todos são belos, desejam e a fluidez desses desejos é o que os motiva. É curioso que para construir uma trama permeada de tanta volúpia, o diretor os provoque (e quem os assiste) com o imaginário do que se sabe que pode acontecer. O contato entre os três, a forma como se tocam casualmente, a proximidade constante dos corpos, tudo funciona para expressar uma gama de sentimentos complexos, que incluem amor, ódio, competitividade, ressentimento e lascívia. 

Tashi namora com Patrick, mas casa-se com Art. Uma fratura no joelho mudou toda sua vida pessoal e profissional. É interessante refletir sobre o que a motiva. A carreira frustrada, a maternidade, o casamento estável e com companheirismo, o parceiro que não (se) arrisca, a vontade impossível de jogar, o desejo carnal, o medo de perder tudo, a estabilidade financeira, o mundo lá fora a seduzindo. Tashi é a alma do filme porque tudo gira em torno dela e nesse momento, no tempo presente, tudo está em jogo. A intimidade de anos compartilhados, mesmo com intervalos, permite entender expressões corporais e gestualidades. 

Nesse sentido é impossível não pensar na teórica Jeanine Basinger e em como analisa histórias no cinema em que uma mulher precisa escolher entre dois homens. Art e Patrick podem ser vistos, dessa forma, como duas facetas (das muitas) da personalidade de Tashi. Eles mesmos se oferecem a ela como duas opções de trajetória de vida: ela pode viver sem fazer mais nada, aproveitando a riqueza, ou pode encarar uma meta profissional árdua, em um nível que nunca tentou. Mas precisa escolher? 

Filmes de esporte bem feitos tendem a ser empolgantes mesmo quando não acompanhamos ou gostamos do esporte em questão. Esse é verdadeiramente empolgante em sua abordagem, mas tênis talvez seja o que menos importa aqui, servindo de pano de fundo para laços mais fortes. Competir na quadra é um reflexo das relações externas. Guadagnino, com humor, demonstra que o que permanece são os embates entre os protagonistas. O resultado é um filme tanto divertido, quanto intenso e sensual.

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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