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42ª Mostra de São Paulo- Sofia (2017)

Esta crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 18 e 31 de outubro na cidade. 

Sofia (2017), escrito e dirigido por Meryem Benm’Barek-Aloïsi, é um filme que começa nos avisando que sexo fora do casamento é punido com um ano de prisão no Marrocos. A protagonista, que dá nome ao filme, é uma jovem de 20 anos de classe média e, em um almoço de família, sente uma forte dor abdominal e passa mal. A prima, que é estudante de medicina, rapidamente entende o que está acontecendo e diz aos demais que vai levá-la a uma farmácia. Sofia está em trabalho de parto e sequer sabia que estava grávida, suprimindo esse fato por questões psicológicas mais complexas. Nenhum hospital vai aceitar interná-la, nem mesmo as clínicas privadas, sem os documentos de um marido.

A atriz Maha Alemi encarna uma Sofia quase que perpetuamente inerte, com o olhar parado, sem reação a tudo que acontece ao seu redor. A primeira impressão é de uma jovem prejudicada pelas retrógradas leis locais. Mas a diretora nos apresenta a uma sociedade que é muito mais complexado que essa leitura simplista inicial.

O privilégio da prima, que circula em meios médicos, garante o atendimento de Sofia. Os trajes mostram não só a diferença de classes, mas de idade e geração. O seu tio, que é francês e de grandes posses, está negociando a sociedade em um negócio com seu pai. País de origem também pode ser uma grande vantagem em um local ainda lidando com suas questões pós-coloniais. Classe certamente significa favores, e é a fortuna da tia, adquirida por vias matrimoniais, que amolece o processo policial que se volta contra ela. Gênero coloca-a em local de subalternidade, mas quando combinado a esses outros marcadores, cria uma trama que desloca os personagens em suas relações.

A apatia de Sofia culmina em um plano em que aparece santificada, sentada e com uma manta azul sobre sua cabeça, caindo pelos lados do corpo com o bebê no colo. O azul, marca da pureza, inunda as sequências em torno dessa, passando pelos azulejos, roupas, objetos de decoração, roupa de cama até uma porta que é significativa para a narrativa.

Mas Sofia não se coloca no papel de santidade e negocia sua posição na sociedade. O contraste entre um carro e um ônibus que se deslocam lado a lado chama a atenção para a dinâmica dos relacionamentos. A câmera parada encara todos de frente. Sua tia explica que as benesses do casamento, que não foi por escolha própria, mas tiveram suas vantagens. O roteiro, premiado na mostra Um Certo Olhar em Cannes, escancara esses conflitos de classe e gênero de uma forma surpreendente, mostrando que a agência dos personagens é relativa e nem tudo é o que aparenta ser.

Nota: 3,5 de 5 estrelas

Selo "Approved Bechdel Wallace Test"

 

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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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