Críticas e indicações,  Filmes

Talvez uma história de amor

O recurso da narração em off inicia e finaliza o redondo Talvez uma história de amor, de (…). <Esqueci completamente o nome do personagem> (Mateus Solano) passa a trama a procurar uma namorada que nem lembrava, literalmente, que teve, depois que escuta um intrigante recado em sua pré-histórica secretária eletrônica: “Eu nunca amei ninguém como eu amo você, mas não dá mais” (reparem no ‘não’ registrado que já invalidaria a busca).

O protagonista chega a ser inverossímil, com sua rotina matinal do Dexter após acordar como um robô e suas listas meticulosas na geladeira. Tem tanto medo de mudança que mantém os equipamentos vintage, como o celular gigante, o despertador analógico, a vitrola, o videocassete em que assiste Sintonia do Amor dublado, além de muitos relógios antigos, que reforçam seu lado maníaco por controle. Recusa quando lhe é oferecida uma promoção porque daria muito trabalho refazer as declarações de renda que já adiantou calculando a data de sua morte, evento este que pensou estar iminente ao fazer um exame do qual sequer buscou o resultado.

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Enquanto Dona Eunice só existe para aparecer no corredor e adiar ad infinitum a partida de baralho, é pena que a pitoresca personagem de Bianca Comparato exista principalmente para confortar Virgílio (colei), divertida exceto quando seu gosto musical – do cachorro, na verdade – decai de Frank Sinatra para Charlie Brown Jr. (quem ainda escuta isso, pelamordedeus). Pensando nessa coadjuvante, acredito que o filme não passe no teste de Bechdel pois as mulheres apesar de terem nomes não conversam entre si, muito menos sobre algo que não gire em torno do homem central – a não ser que eu também esteja sofrendo de amnésia lacunar!

Há muitos diálogos mecânicos, situações absurdas que não funcionariam nem em uma novela e um exagero ainda nos globais planos aéreos da megalópole maravilhosa… São Paulo. No entanto, reconheço o mérito dos efeitos da iluminação, o cargo de direção  da agência de publicidade ocupado por uma mulher negra e a bela metáfora das coisas que voltam a funcionar com o religamento da energia elétrica.

Destaque para as participações especiais, principalmente de Gero Camilo (Bicho de 7 cabeças) “Chupa, morte!”, do escritor de livros infantis que não gosta de crianças, Paulo Vilhena (Como nossos pais), a funcionária do MASP Dani Calabresa (da MTV), que não teve tempo de fazer uma piada e a recepcionista novaiorquina Cynthia Nixon, revelando um lado codependente do namorado que nunca tinha deixado transparecer em Sex and the city. Outras pontas breves foram da ex namorada professora de yoga – engraçado, ele tinha esquecido dela também? – a quase-futura-ex Nathalia Dill que – mundo pequeno! – começou a namorar o irmão da ex-fantasma! Além da amiga que transpareceu uma paixão mal resolvida com ele ao declarar que “Se eu não posso comer doce eu quero que o mundo todo morra de diabetes”, e ironicamente (espero) “Família é tudo de bom”, encenando a clássica propaganda de margarina ao ar livre.

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Me espantei com a fala misógina e estereotipada do personagem de (…?): “Sabe como é mulher quando termina, compra uma bolsa, deleta o FB, corta cabelo e a vida continua”, confirmada na boca das mulheres que se referem ao término como “a melhor coisa que me aconteceu”. A psiquiatra também tem métodos questionáveis ao alegar que “se apaixonar é depender da pessoa para respirar”. Lembrei do também nacional Entre abelhas que trata do mesmo tema, pelo que me lembro, de forma ainda que também falocêntrica, mais profunda. Me espantei ainda com o purismo no horror em perguntar “Ele gosta de heavy metal?”, como se fosse um crime pior do que os seus de stalker n.1.

Seria mais classudo e coerente se Clara, a suposta “mulher da vida dele”, se construísse apenas no suspense da ausência, no ‘talvez’ do titulo, do que reforçar contradições e caminhos pessoais em prol da meta comercial, em outras palavras, para o filme poder estrear no Dia dos Namorados, e ah, para ter pra quem dizer e de quem ouvir ‘eu te amo’.

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Talvez uma história de amor

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Doutoranda em Estudos de Linguagens pelo CEFET-MG

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