[43ª Mostra de São Paulo] Alice Junior (2019)
Esta crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro na cidade.
“corpos que você não imagina, mulheres com pau homens com vagina”
Esse poderia ser um filme adolescente como outro qualquer: Alice (Anne Celestino) é uma adolescente secundarista que mora sozinha com o pai, Jean Genet (Emmanuel Rosset) em Recife. Recebe dele a informação de que eles terão que se mudar para uma pequena cidade com 50 mil habitantes encravada no interior do Rio Grande do Sul, em virtude do trabalho dele. Ela, que nunca beijou na boca, e até então fantasiava sobre seu primeiro amor, soma a isso a ansiedade por ter que mudar de escola. A diferença é que Alice é uma adolescente que poucas vezes é retratada nos filmes: uma jovem transgênero.
A força no filme está justamente nesse fato: embora por seja transgênero Alice tenha temores que lhe são próprios, em nenhum momento ele se propõe a ser uma mera narrativa em torno do tema da transfobia. Os desafios cotidianos são postos e ao mesmo as vivências de Alice são tratadas como quaisquer outras, quando se trata de uma história de crescimento. Soma-se a isso um universo de novos amigos inclui pessoas brancas e negras, tanto heterossexuais, como gays e bis. Tudo isso sem que os personagens pareçam meros esquemas que simbolizem grupos subrepresentados em filmes de adolescência comuns: cada um tem seu próprio desenvolvimento, mesmo que o foco seja Alice.
É claro que a protagonista precisa enfrentar a desinformação (mesmo que às vezes vinda de pessoas bem intencionadas) e um sistema de ensino conservador, que não acolhe e que literalmente busca uniformizar alunas e alunos, de acordo com padrões pré-estabelecidos do que se entende por gênero, feminilidades e masculinidades. Mas o humor é usado como forma de dar leveza aos acontecimentos, sem, com isso tirar seu peso.
A linguagem do filme é dinâmica, fazendo uso de memes, elementos visuais que remetem aos aplicativos usados pelos adolescentes do filme que aparecem, além da própria emulação da estética das redes sociais perpassam a tela, mesclados com a estética do seriado Malhação. A trilha sonora, que vai de Duda Beat a Ludmilla, casa com a proposta. A ficção pautada na realidade de jovens com vidas não normativas é mesclada a eventuais elementos fantásticos.
Com direção de Gil Baroni e roteiro de Luiz Bertazzo e Adriel Nizer Silva, Alice Junior diverte sendo um retrato comum de adolescência. Mais ainda sendo o retrato pouco usual das adolescências que não costumamos ver.
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