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[43ª Mostra de São Paulo] Hálito Azul (2018)

Esta crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro na cidade.

Com uma abordagem intimista e poética, flertando com o experimental, Hálito Azul é um documentário que explora a rotina minimalista dos pescadores de uma vila chamada Ribeira Quente, localizada na Ilha de São Miguel, em Portugal. As paisagens cinzentas, de aparência fria e úmida, com as montanhas vulcânicas e um mar escuro dão o tom do lugar.

A dureza da natureza inóspita parece dialogar com o modo de vida do lugar. A população vive basicamente da pesca e essa está cada vez mais rara. Pescadores morrem no mar e as lápides se enfileiram. Um deles reflete que no passado tiravam duas a três toneladas de peixe das águas, quando uma seria o suficiente. A relação predatória com o meio conecta esse filme com o documentário Jiro Dreams of Sushi, em que o protagonista, o sr. Jiro, é um sushiman que busca por peixes todos os dias, relata, não sem espanto, que eles estão cada dia mais raros. Ele, assim como os pescadores, não faz nenhuma conexão entre sua demanda e a escassez dos animais.

O diretor, Rodrigo Areias, que também roteiriza o filme junto com Eduardo Brito, busca em vão romantizar a atividade, seja por meio da leitura de poemas, seja pela inserção de trechos de ensaios de uma peça sobre a profissão. Acontece que eles mesmos tratam de desfazer essa imagem idealizada, com a crueldade cotidiana, como quando um corta a barriga de um peixe enquanto ri e afirma que sua “faca dá carinho”.

Apesar da tentativa de poetizar o retrato, o que fica patente é que trata-se de uma cultura de masculinidade solitária, em que quase nenhuma mulher está presente. A natureza, da mesma forma que a feminilidade, é entendida como algo no âmbito do que necessita de tutela, e por isso passível de ser subjugada. O trabalho, cansativo e pessimamente remunerado, mantém os pescadores às margens do capitalismo, sem que eles pareçam questionar seu próprio papel autodestrutivo nessas engrenagens. No final, o experimentalismo de Hálito Azul não se paga em meio a essa brutalidade, embora a poética dos textos seja bonita e as imagens também.

Nota: 2 de 5 estrelas
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Crítica de cinema, doutora em Antropologia Social, pesquisadora de corpo, gênero, sexualidade e cinema.

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